domingo, julho 31, 2022

Em Nome do Pai. E Em Louvor da Terra-MÃe


1.

Sou este chão e esta mágoa

Caliça do tempo em redemoinho

A embargar os olhos gastos…

 

E, no entanto, a terra desmedida

Como quem acerta contas

E os gretados lábios

E o rumor dos sonhos

E os ecos.

 

E as maçãs emolduradas

E o fio de prumo

Em que me despenho

E inscrevo na incisão

Do sangue.

 

Rito de passagem

Em que me digo filho e pai

E me acrescento

E sou o mesmo…

 

Terra minha

E o Mundo inteiro...

 

2.

Evoco os nomes e os gestos. E o tempo circular.

E os mistérios. E os murmúrios.

E o cirandar das mulheres. Tecedeiras. Sábias.

Sibilas. Herdeiras de outroras. E auroras.

E a raiarem tarefas. Lestas.

E a distribuírem o pão

Parco.

 

– Ala, que faz tarde!…

 

E a canícula. E a sesta. O benigno freixo

E a ceifa. E o vinho, em círculo, de mão em mão

Servido. E de boca em boca sorvido.

E as gargantas ávidas…

 

E a revoada de tordos espantados

De meus olhos. Agora húmidos…

 

E as jaculatórias. E as preces. E os cânticos.

E os sinos. E as festas. E o donaire das raparigas.

E púberes seios em meus dedos…

E as fontes. E as ânforas

E as cântaras…

 

E fio invisível das coisas

Que religam. E tecem. E se intrometem

E nos guardam. Que bênçãos

Sejam!...

 

E o trilho de meus passos…

E a cavalgada dos sonhos. E os enganos

E os fracassos. E as partidas. E os retornos.

E aquele abraço. Erguido do chão

Como quem aguenta o peso do Mundo

Todo. Em seus braços…

 

E em nome do Pai

E em nome da Terra-Mãe

Ajoelho. E cuido. E guardo

O gesto largo. E nobre

De quem semeia

E pouco colhe.

 

3.

Sou esta raiz. E esta sede

E o fio de água.

E sou esta poeira

Calcinada

E esta caliça.

 

E esta febre

Que me consome …

 

Manuel Veiga

14.06.2020

 

 

11 comentários:

São disse...

Para mim, de raízes alentejanas, um dos teus poemas que mais me tocou.

Bom Julho e um abraço

Maria João Brito de Sousa disse...

Esplêndido, Manuel!

Abraço!

Jaime Portela disse...

Um poema de antologia.
Soberbo, os meus aplausos para a excelência deste poema.
Boa semana, caro amigo Veiga.
Um abraço.

" R y k @ r d o " disse...

Lindíssimo de ler. Puro fascínio poético. A minha admiração e elogio
.
Feliz semana… abraço poético
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Teresa Isabel Silva disse...

Bonitas palavras!
Os meus parabéns!

Bjxxx
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Elvira Carvalho disse...

Um poema maravilhoso que me emocionou.
Abraço, saúde, boa semana e feliz Agosto

Maria Rodrigues disse...

Um poema sublime!!!
Fez-me lembrar outros tempos, tempos simples mas felizes, mas num rodopio bem rápido, voltei ao presente, a este tempo em que a indiferença é cada vez maior, o homem já não cuida da Terra Mãe e esta poeira que somos, aos poucos vai a destruindo.
Beijos e suaves brisas plenas de harmonia e paz

Ailime disse...

Boa tarde Manuel,
Um poema de Antologia, como diz um amigo acima!
Eu acrescentaria de um POETA ENORME em que a poesia flui como o voo dos pássaros a rasar os céus nos dias em que o sol e a alegria se misturam com a Primavera!
Parabéns, pela excelência da sua Poesia.
Beijinhos,
Ailime

Tais Luso de Carvalho disse...

Quando um Gaúcho diz "Mas Bah" é para exteriorizar o mais forte, seja a ideia, o gosto, a beleza, a verdade... E esse poema, meu amigo está belo demais, emociona, e faz pensar.

"E em nome do Pai
E em nome da Terra-Mãe
Ajoelho. E cuido. E guardo
O gesto largo. E nobre
De quem semeia
E pouco colhe."

MAS BÁH!!

Aplausos sempre, amigo!
Beijo, uma feliz semana.

Olinda Melo disse...


Belo Poema, Manuel Veiga.
Adorei.

Abraço
Olinda

Jaime Portela disse...

Gostei de reler este excelente poema.
Continuação de boa semana, caro amigo Veiga.
Um abraço.

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