domingo, novembro 06, 2022

O Estado Novo de Fernando Pessoa


 

Sim, o Estado Novo e o povo

ouviu, leu e assistiu

Sim, isto  é um “Estado Novo”

Pois é um estado das coisas

que nunca antes se viu.

 

Em tudo paira a alegria

e, de tão íntima que é,

como Deus na Teologia

ela existe em toda a parte

e em parte alguma se vê---

 

Há estradas, e a grande Estrada

Que a tradição ao porvir

Liga, branca e orçamentada,

E vai de onde ninguém parte

Para onde ninguém quer ir

 

Há portos  e o p porto-maca

Onde vem doente o cais

Sim, mas nunca ali atraca

O  Paquete Portugal

Pois tem calado de mais---

 

Há esquadra...  Só um tolo se cala

Que a inteligência propicia

A achar, sabe que, se fala,

Desde logo encontra a esquadra

É uma esquadra de polícia.

 

Visão grande! Ódio à minúscula

Nem para prová-la tal

tem alguém que ficar triste

Unido Nacional existe

Mas não unido nacional!

 

E o Império? vasto caminho

Onde os que o poder despeja

Conduzirão com carinho

A civilização cristã

Que ninguém sabe ou que seja

 

Com diretrizes à arte

Reata-se a tradição

E juntam-se Apolo e Marte

No Teatro Nacional

Que é onde era a Inquisição

 

E a fé dos nossos maiores?

Forma-a impoluta o consórcio

Entre os padres e os doutores

Casados o Erro e a Fraude

Já não pode haver divórcio-

 

Que a fé seja sempre viva

Porque a Esperança não é vã

A fome corporativa

É derrotismo, Alegria!

Hoje o almoço é amanhã!..

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Escrito em 1935, ano em que o Poeta faleceu

dado à estampa por Jorge Sena no Diário Popular

em Junho de 1974

 

MV

 

5 comentários:

São disse...

Gostei de conhecer

Abraço amigo

Maria João Brito de Sousa disse...

Uma pequena maravilha!

Abraço, Manuel!

Olinda Melo disse...

..“Estado Novo”
Pois é um estado das coisas
que nunca antes se viu.

E Fernando Pessoa vai por aí afora,
sem dó nem piedade, apontando o dedo
a tudo o que considera estar mal.

Gostei muito de ler este poema que
eu não conhecia.

Muito obrigada, amigo Manuel.

Beijo
Olinda

Maria Rodrigues disse...

Excelente escolha.
Boa semana
Abraços

SOL da Esteva disse...

Assim, Pessoa deplora
O que sentia estar mal.
Tenho pena que a melhora
Não chegasse a Portugal,
No passado como agora.



Abraço
SOL da Esteva

ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...