segunda-feira, agosto 14, 2023

A CARTA QUE NUBCA TE ESCREVEREI ...

 

 

José Augusto Esquerdino e Manuel Maria vindos de norte para sul, como o curso das águas, acreditando, piamente, Manuel Maria numa arquitetura para o povo e José Augusto, eleito por braço no ar, em grandes plenários, por todo o concelho, Presidente de um grande Município da Área Metropolitana de Lisboa perfilhavam, ambos, o mesmo projeto de sociedade e consideravam ser a participação social condição necessária da democracia avançada, que a revolução propunha ao país. Neste objetivo os trabalhadores (dirigidos pela classe operária), em estreita ligação com o Movimento das Forças Armadas. erguiam-se como vanguarda do movimento revolucionário, depositário da legitimidade política e, por conseguinte, conferiam autoridade executiva as aspirações e às reivindicações populares que, por todo o lado explodiam. Em certo sentido, Manuel Maria e José Augusto Esquerdino, estavam ambos estritamente vinculados nessa saga do exercício do poder local, José Augusto, já se disse, eleito Presidente da Câmara e Manuel Maria seu assessor  para as questões de urbanismo que, naquela emergência, se traduzia na prioridade de erradicação das barracas que proliferavam em vasta zona do território do concelho, ao mesmo tempo que se lançavam as bases para a elaboração de planos de urbanismo que pudessem “ordenar” o território do município e conter a construção clandestina, mediante a elaboração de Planos Directores municipais.

As questões do urbanismo, como se compreende, envolviam grande sensibilidade política e elevada responsabilidade técnica, estavam pois distribuídas ao Manuel Maria, sendo que o Presidente não mexia nem grão, nem palha, por mais simples e óbvias se mostrassem as soluções propostas, sem que, previamente, tivesse colhido parecer ou informação circunstanciada de jovem arquitecto Manuel Maria.

Porém, Manuel Maria empolgado pelas teorias e teses em que sobressaía a sua voluntarista ideia de “uma arquitetura para o povo” via-se em palpos de aranha para dar conta do recado e corresponder aos constantes pedidos do Presidente da Câmara, que educado na escola da vida e nas urgências que o ritmo de revolução impunha, planos de  urbanização eram uma bela música para os ouvidos, mas que em termos práticos,  serviam apenas para atrapalhar. Eram, assim, José Augusto e Manuel Maria o verso e o reverso da mesmos objetivos políticos ou dito de outra forma, José Augusto Esquerdino e Manuel Maria, representavam diversas configurações do movimento social, em que se desdobrava o fluxo e ritmo da revolução, face à avaliação que cada um fazia, em cada momento dos interesses em presença e que se projetavam, como se compreende, nas propostas e decisões da atividade autárquica, sobre as quais, logicamente, nem sempre havia coincidência de pontos de vista.

Tal diversidade de opiniões era, em princípio, dotada de potencialidades, pois que, quanto mais largo fosse o âmbito discussão e a diversidade de pontos de vista. maior seria a garantia da justeza das decisões tomadas, na condição das respetivas opiniões servirem um único critério – o da oportunidade política e tereme o seu conteúdo democrático. Que era assim. ambos o sabiam, Manuel Maria e José Augusto Esquerdino. E, assim, procuravam proceder. Acontece, porém, que .a realidade idealizada se nos escapa por entre os dedos e os nossos atos não passam afinal, tantas vezes, de “atos falhados” que pouco ou nada têm a ver com os nossos genuínos prepósitos, ou com realização integral dos ,  que idealmente proclamamos, como se o barro humano de que somos feitos, se inscrevesse como marca de fragilidade e engano, em tudo o que fazemos.

Nesta conformidade, o jovem arquiteto começava a duvidar das suas capacidades  e a agarrar-se, que nem um náufrago, â fragilidade de suas propostas, todas elas inflamadas pelas suas “brilhantes” teses sobre uma um para o povo que o que o José Augusto Esquerdino arrasava comentários sardónicos “já sabemos, rapaz, que por ti qualquer sem abrigo deveria habitar um Palácio, mas a realidade é bem mais comezinha – trata-se apenas de levar água e saneamento às construções que se possam salvar, mediante os teus tão celebrados planos de urbanização. Mas desconfio que os teus sem-abrigo, com plano ou sem plano, tem ainda muito tempo para penar.

Andava, pois, Manuel Maria um tanto ou quanto descorçoado, caminhando de Herodes para Pilatos. quer dizer a correr de um lado para o outro. do gabinete do Presidente para para gabinete de arquitetos, a quem for adjudicado a elaboração do tão falado plano diretor municipal que, no dizer dos técnicos seria pedra de toque para se puder disciplinar a construção desenfreada, que os últimos anos do regime fascista haviam iniciado e que a revolução, com a desarticulação das estruturas de controle, acabara por impulsionar, de jeito que Manuel Maria, na sua azáfama de “uma arquitetura para o povo”, carregado de mapas e dossiers, foi apanhado entre dois fogos, a correr entre o gabinete do Presidente da Câmara para quem planos e as regras era música para os seus ouvidos, mas que, em seu entender, em nada facilitava o curso da revolução e o gabinete consultores para quem o destino da revolução passava pela implementação de instrumentos legislativos que pudessem “ordenar” e,  descontrolada das periferias de Lisboa. E estas duas posições de princípio não era uma questão menor; pelo contrário,  dividia a meio (quase) os partidos políticos e a generalidade dos cidadãos, para quem  Revolução de Abril era razão de liberdade e desenvolvimento do País.

 De facto, o microcosmos, em que os dramas de Manuel Maria nas suas correrias, na defesa do acarinhado projeto de uma “arquitetura para o povo” replicava a nível local as duas teses fundamentais que a nível de Estado, ou se quiserem, ,da superestruturas políticas, que se combatiam publicamente, que arrastavam milhares de prosélitos, de um lado e do outro, cada qual manifestando os seus pontos de vista. Deste jeito, quer dizer, neste jogo de forças entre aqueles que puxavam a revolução para a frente e aqueles que a pretendiam “normalizar”, é justo reconhecer que ímpeto revolucionário das massas populares conseguiu golpear severamente os grandes monopólios, sustentáculo económico-político do fascismo, mediante a nacionalização da banca e os seguros  e a o dos latifúndios, por iniciativa, acção e controle dos trabalhadores agrícolas. Uma luta encarniçada, que durou alguns meses, até à vitória das forças “normalizadoras” em 25 de novembro. Uma luta surda, mas nem por isso menos intensa, que prosseguiu na elaboração da Constituição da República, que salvou da Revolução de Abril, princípios e valores, que apesar de diversas revisões constitucionais, mantém uma visão progressista para a sociedade portuguesa, designadamente, no reconhecimento dos direitos dos trabalhadores – ireitos económico-sociais de terceira geração e no aprofundamento dos direitos de cidadania, o que lhes confere um certo “perfume”  a 25 de Abril.. 

Entendamo-nos!... Esta prosa bárbara em que, por vezes, o escrevente se enreda, numa teimosia mais teimosa que o sonho de Manuel Maria de uma “arquitetura para o povo” não se  pretende fazer rapport de revolução, mas apenas sublinhar, neste tempo histórico em que vivemos, carregado de nuvens e sombras, que o grupo da avenida de Roma (ou ao que dele resta) “senhores”  de um tempo de borbulhas e revoluções de papel, que ainda hoje se comovem, quando recordam das vivências da Revolução de Abril, ou quando soltam o grito “25 de Abril, Sempre”!

E a Cléo? Que fazia ali é Cléo, com seu chic revolucionário e as jeans justas, queria faziam sobressair a beleza das pernas?....

Manuel Veiga


 

5 comentários:

Maria João Brito de Sousa disse...

Do princípio ao fim da leitura, senti-me irmanada com esse teu Manuel Maria. Idealista? Fui-o durante muitos anos. Talvez ainda o seja...

Um abraço, Manuel!

Olinda Melo disse...


José Augusto Esquerdino e Manuel Maria.
Dois rapazes com, praticamente, as mesmas
raízes e com ideais parecidos. O importante
é concretizar a parte teórica da Revolução de
Abril.

E a Cléo? Quando dará um ar da sua graça,
dizendo ao que vem?

Com sempre, prosa bela.
Gostei muito, Manuel Veiga.

Abraço
Olinda

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