quarta-feira, março 26, 2025

ACRE LUCIDEZ DE CINZA...


Nego-me à estética do Horrível

E à música de Wagner, como se a cavalgada

Da Morte fosse enfeite a enquadrar o telejornal

Nauseabunda esteticização do Desastre

A celebrar o Espetáculo dos corpos e das casas

E as labaredas a lamberem os impassíveis olhos

Não refeitos ainda da voragem do Pânico …


Nego-me ao microfone em riste, qual inquirição judiciária

A invadir as bocas e a colher a baba das palavras

E a espremer a arrogância e a ignorar pormenor da Lágrima

E a dobra da Agonia – como viver ou morrer fossem

Noção escorreita perante a iminência da Morte….


Nego-me a doutas opiniões e ao grande Debate

E ao arroto da Sabedoria ao serviço da Ganância

A desenhar manobras e as invisíveis rotas

Do Lucro e permanente encenação do Mesmo…


Nego-me ao leilão das alvas consciências

A pingar  gorduras em fila na Banca e nos altos muros

Da Instituição. E nego-me aos caninos cibernantropos

A salivarem tweets e likes e rabinho eletrónico

A dar a dar e a babarem-se sem ao menos saberem

Que nada representam – pálida imitação dos Donos! –.

~

Nego-me ã incubação da Serpente

E a camisas negras e botas cardadas a latirem

Em qualquer praça de qualquer cidade do Mundo

Nego-me às insígneas da  morte, ao passo de ganso

E à Loucura de todos os Holocaustos…

Nego-me á dança dos ditadores – “chaplinescas” figuras 

Grandes, pequenas ou médias – a retalharem o Mundo

(quiçá o Universo) como se fossem coutadas próprias…

Nego-me às Santas Inquisições que flagelam

Os homens e rapinam os Povos. E lançam á fogueira

 Qualquer Sonho de Liberdade…


Nego-me também esta impúdica exasperação da Palavra

E da Dor, que sendo minha, é apenas Simulacro

E que não (me) redime, nem me salva

E, no entanto, teima - acre lucidez de cinza!...


Manuel Veiga

26.03,2025



Sem comentários:

ACRE LUCIDEZ DE CINZA...

Nego-me à estética do Horrível E à música de Wagner, como se a cavalgada Da Morte fosse enfeite a enquadrar o telejornal Nauseabunda estetic...