Nego-me à estética do Horrível
E à música de Wagner, como se a cavalgada
Da Morte fosse enfeite a enquadrar o telejornal
Nauseabunda esteticização do Desastre
A celebrar o Espetáculo dos corpos e das casas
E as labaredas a lamberem os impassíveis olhos
Não refeitos ainda da voragem do Pânico …
Nego-me ao microfone em riste, qual inquirição judiciária
A invadir as bocas e a colher a baba das palavras
E a espremer a arrogância e a ignorar pormenor da Lágrima
E a dobra da Agonia – como viver ou morrer fossem
Noção escorreita perante a iminência da Morte….
Nego-me a doutas opiniões e ao grande Debate
E ao arroto da Sabedoria ao serviço da Ganância
A desenhar manobras e as invisíveis rotas
Do Lucro e permanente encenação do Mesmo…
Nego-me ao leilão das alvas consciências
A pingar gorduras em fila na Banca e nos altos muros
Da Instituição. E nego-me aos caninos cibernantropos
A salivarem tweets e likes e rabinho eletrónico
A dar a dar e a babarem-se sem ao menos saberem
Que nada representam – pálida imitação dos Donos! –.
~
Nego-me ã incubação da Serpente
E a camisas negras e botas cardadas a latirem
Em qualquer praça de qualquer cidade do Mundo
Nego-me às insígneas da morte, ao passo de ganso
E à Loucura de todos os Holocaustos…
Nego-me á dança dos ditadores – “chaplinescas” figuras
Grandes, pequenas ou médias – a retalharem o Mundo
(quiçá o Universo) como se fossem coutadas próprias…
Nego-me às Santas Inquisições que flagelam
Os homens e rapinam os Povos. E lançam á fogueira
Qualquer Sonho de Liberdade…
Nego-me também esta impúdica exasperação da Palavra
E da Dor, que sendo minha, é apenas Simulacro
E que não (me) redime, nem me salva
E, no entanto, teima - acre lucidez de cinza!...
Manuel Veiga
26.03,2025
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