sexta-feira, novembro 30, 2018

"DO AMOR E DA GUERRA" - Na Cidade do PORTO


“(...) O que aí vai, Maria Adelaide. Cada vez mais acutilante esta queda para comigo implicares e que tão bem cultivas, mas que a mim não engana, pois esse teu jeito, que terás que reconhecer, por vezes, um pouco excessivo, outra coisa não é, senão uma forma de chamares a atenção, como criança o regaço materno, requerendo, uma carícia ou um beijo, que noutros tempos seria acendalha do fogo que nos consumia que agora é cinza que nos aquece.
(…)
Porém, se te desses ao trabalho de escavar “o ruído da escrita”, bem se sabendo que “o autor não existe” e, assim, também não o sujeito de um qualquer discurso moral, em que te possas apoiar e estivesses um pouco mais atenta à linguagem das coisas e ao sentido dos comportamentos, compreenderias então que o corpo físico da escrita, em que o Alferes se desenha, no espaço mítico da Tabanca, é expressiva enunciação de um “discurso de poder”, cujo sentido faz explodir o mero jogo das aparências. O que o discurso revela é que do “outro lado” do Alferes, tal como é apresentado, permanece uma realidade outra, possibilidade apenas, que fica oculta no limbo da escrita e, no limite de um frágil acaso, estabelece a diferenciação entre o “herói” e a vítima. Qual deles te mereceria mais cuidado?

Mas bem intuiu o Alferes a subtil diferença e as ocultas “determinações” da sua acção, ou as fundas razões das suas escolhas que, podendo a Tabanca marcá-lo com o anátema da “negatividade” o afirmou como “fiat lux” promissor na saga em que se joga seu destino e que outra coisa não é senão a clarividência de ter compreendido, antes de verdadeiramente o saber, que “não existe poder, sem exercício do poder” e que todo o poder, seja qual for a sua natureza, sobretudo o poder militar, se reveste de sinais, ritos e símbolos, numa liturgia cujo exercício é a marca visível de “autoridade” e de domínio. Porque, minha querida, as relações sociais, sejam elas expressão do microcosmos da Tabanca ou do vasto Mundo, são relações de poder, em que uns quantos (poucos) o exercem e os restantes (muitos) são sujeitos e que alguns, bem conhecendo a tramóia em que o(s) poder(es) se desenrola(m), lhe(s) resistem e, ao resistir-lhes, os liames de um poder-outro vão tecendo.

De que serviriam ao Alferes os seus doirados galões de oficial do Exército se não fora a sabedoria e a oportunidade de colocar “em sentido”, no sentido literal do termo, o Sargento Fernandes, em manifesta abjuração, pelo desleixo, da ideologia militar de que era enformado? E sem resistência, obviamente, que a ideologia militar é “totalitária”, quer dizer, não admite, sobretudo, em teatro de guerra, linhas de transigência, nem fissuras de dissidência. Ao “vigiar e punir” um comportamento desviante, o Alferes redimiu o poder militar de que provisoriamente era e, por momentos, precários que fossem, foi sumo-sacerdote da sua (dele, poder militar) ideologia. Ámen!…”

Manuel Veiga

“DO AMOR E DA GUERRA – Fragmentos” - Pág. 52
Edição MODOCROMIA – Lisboa 2018



4 comentários:

Maria João Brito de Sousa disse...

Ámen!, Manuel.

Abraço.

Suzete Brainer disse...

Manuel, meu amigo

Meus votos de mais sucesso e mais um momento
feliz na partilha literária do teu
magnífico livro.

Beijo.

Teresa Almeida disse...

Lá estarei, com prazer, no lançamento do tua Excelente obra. Só estava à espera de uma oportunidade.

Beijos Manuel.

José Carlos Sant Anna disse...

Amanhã será mais um dia de Festa! Bem a mereces, caro Manuel.
Preferencialmente com um Porto d'honra!
Muito sucesso, caro amigo!

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