1.Sou este chão e esta mágoa
Caliça do tempo em redemoinho
A embargar os olhos gastos…
E, no entanto, a terra desmedida
Como quem acerta contas.
E o fio de água e os gretados lábios
E o rumor dos sonhos.
E os ecos.
E as maçãs emolduradas
E o fio de prumo
Em que me despenho
E inscrevo na incisão
Do sangue
Rito de passagem
Em que me digo filho e pai
E me acrescento
E sou o mesmo.
Terra minha
E o Mundo inteiro!...
2. Evoco os nomes e os gestos. E o tempo
circular.
E os mistérios. E os murmúrios.
E o cirandar das mulheres. Tecedeiras.
Sábias.
Sibilas. Herdeiras de outroras. E auroras.
A raiar tarefas. Lestas.
E a distribuírem o pão.
Por cabeça
E a canícula.
E a sesta.
E o benigno freixo…
E a ceifa. E o vinho, em círculo, de mão
em mão
Servido. E de boca em boca sorvido.
E as gargantas ávidas.
E a revoada de tordos espantados.
Em meus olhos.
Agora húmidos.
E as jaculatórias. E as preces. E os
cânticos.
E os sinos. E as festas. E o donaire das
raparigas
E púberes seios em meus dedos
E a poeira dos caminhos
E fio invisível das coisas
Que religam. E tecem. E se intrometem
E nos guardam.
Bênçãos. Sejam!...
E o trilho de meus passos.
E a cavalgada dos sonhos. E os enganos.
E os fracassos. E as partidas. E os
retornos.
E aquele abraço. Erguido do chão
Como quem aguenta todo o peso do Mundo.
Em seus braços…
3.E o nome do Pai. E em louvor da
Terra-Mãe.
Evoco o gesto largo. E nobre.
De quem semeia
E pouco colhe.
Sou esta raiz. E esta sede
E o fio de água
E esta poeira
Calcinada…
“Ecce
Homo!…”
Manuel Veiga