ZANDINGA NO SEU MELHOR
Esta
manhã (26.10.2007), inesperadamente, entrei em estado de choque. Receei pelo
meu pobre coração. Mais grave ainda. Receie pelos meus genes, por quem tenho,
elevada estima. O caso não é para menos, como compreenderão. Eu explico...
Fiquei
a saber, através do “Diário de Notícias”, que “a espécie humana pode vir a
subdividir-se em duas”. E melhor que La Palisse, acrescenta o jornal que “as
duas subespécies vão dar origem a uma classe superior e a uma inferior”...
Os
descendentes da classe superior serão “altos, magros, saudáveis, atraentes, inteligentes
e criativos”, enquanto que os descendentes das classes inferiores serão baixos,
feios e pouco inteligentes, “uma espécie de goblins” (não sei que raio seja,
mas não é certamente coisa boa!). Fundamenta-se o jornal nas últimas
descobertas do especialista em evolução(?) Oliver Curry, da London School of
Economics...
Entrei
em pânico, garanto-vos!.. O meu pânico assumiu foros de catástrofe ao saber que
os homens – da classe superior está bem de ver – “vão ter feições mais
simétricas, o queixo mais quadrado, a voz mais profunda e o pénis maior...”
Pénis
maior, já viram! Querem maior castigo?!... A natureza é madrasta, sem dúvida.
Não poderia, ao menos, o pénis ficar fora da distinção de classes?!...
Acalmei
quando, em segunda leitura, percebi que o risco é apenas para daqui a cem mil
anos e que a espécie humana vai atingir o pico de evolução no ano três mil.
Pus-me então a fazer contas, a partir do homo sapiens e dos milhões de anos
desde então e suspirei fundo... Afinal, talvez os meus genes ainda se safem e o
meu neto – uma terna criança de escassos meses - não esteja condenado a
ostentar as orelhas de um goblin...
Fiquei
mais confortado quando soube que “vamos mastigar menos” (isto deve ser música
aos ouvidos de Sócrates) e “ficaremos com os maxilares menos desenvolvidos e
com os queixos mais pequenos”. Pudera!...
E
foi já com bonomia que recebi a explicação de que “não podemos prever
exactamente o que irá acontecer, mas podemos fazer previsões com base no
conhecimento que temos...”. Era o que faltava que não pudéssemos fazer
previsões. Não vos parece o máximo rigor científico?!...
Melhor
apenas o Zandinga!... Ou o argumento do laureado James Watson, de que bastará
reparar num empregado de café para se concluir que os negros não possuem a
inteligência dos brancos...
Claro
que tudo isto é de gargalhada. Mas não são inocentes estas novidades. Os
“fazedores de opinião” batem sempre a mesma tecla, com novos métodos, seguindo
a linha do tempo. E a roupagem científica dá sempre jeito...
As
fantasiosas mutações genéticas poderão ocorrer apenas daqui a cem mil anos. Mas
tão bombásticas revelações são ideologicamente produtivas no presente. Escutem
o murmúrio subliminar – as desigualdades estão instaladas na matriz biológica
da natureza e inscritas no ADN da Humanidade...
A
espécie humana está assim fatalmente condenada a divisão em classes. Já não
apenas classe sociais, historicamente superáveis, mas “subespécies vão dar
origem a uma classe superior e a uma inferior”, predeterminadas pela
natureza...
Perante
tamanha fatalidade, cientificamente proclamada, porquê lutar contra as
injustiças? A natureza é injusta, porquê então preocupar-nos?!... Não será
melhor conformar-nos e adaptarmo-nos ao sistema? E sobreviver, pois claro!
Salve-se quem puder...
Há,
porém, aqui, um pormenor intrigante. Foi a London School of Economics – uma
escola de economia política - a difundir semelhantes teorias sobre a evolução
da espécie humana. Compreende-se. A ciência é coisa demasiado séria para ser
deixada apenas aos cientistas...
Bem
melhor seria, porém, que os “sacerdotes” do mercado e os gurus do liberalismo
económico, em vez de especulações à distância de milhares de anos, tomassem
consciência do eminente “beco sem saída” que o capitalismo, de que são
oficiantes, está a empurrar a humanidade...
Manuel Veiga
"NOTÍCIAS DE BABILÓNIA e Outras Metáforas" - pág. 85
Edição - Modocromia - Lisboa 2015
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(Novas) NOTÍCIAS DE BABILÓNIA - I
Havia em Babilónia uma consigna – “O
povo é quem mais ordena!...”
Que explodia como uma canção nas ruas. E
na garganta dos babilónicos em momentos de euforia...
Hammurabi, o Grande Dissimulador, reveste-se da majestade do Direito e, mefistofélico, saboreando um
subtil veneno, captura a consigna: “O Povo é quem mais ordena!..” – proclama,
solene, do alto de sua vitória...
E um velho escriba de olhar cansado de
tanto ver – “Depois da flor do Direito, a mão pesada da Ordem, se for o caso... Cautela, babilónicos – o Grande Dissimulador
disse ao que vinha...”
5 comentários:
Deve ser bom este teu livro.
Acompanho no teu blog e sempre
apreciei muito a leitura dos textos
com informação, crítica sarcástica
e ironia pura.
Sucesso, Manuel!
Tenho que esperar pela Feira do Livro no Porto....
Pois, com tanta coisa que deve ser resolvida agora, neste momento, preocupam-se com análises que não servem para nada...
O maior sucesso para o Livro...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta
Ah, se "a gente grande" e os cientistas soubessem o quanto este "moço" escreve...
E como escreve!
Pena que não posso estar em Lisboa em Maio par descobrir "que nos conhecemos".
Muito sucesso, meu caro poeta, você bem o merece.
Adorei a leveza e a fina ironia entranhados na sua crônica.
Abraços,
Desejo, sinceramente, que o livro seja um sucesso e ajude a afastar o sentimento de culpa de possíveis candidatos a "goblins", que de manipulações sempre o mundo esteve farto, por mais que teimem em querer apagar memórias.
Abraço
Mas tudo confere, meu caro Herético. Basta ver a origem da ciência.
Mas, o que eu digo, é que essa transformação genética já está em curso. Basta ver o aumento da obesidade verificada nas classes sociais desfavorecidas do mundo ocidental. Por quê?
Sucesso nas vendas.
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