(...)
Mas se a vontade dos homens guia seus
passos, o acaso ou imprevisto, ou um qualquer absurdo e interminável jogo de
dados determinam os desígnios individuais e colectivos, em que a vida se
esgota. Desejava nessa manhã encantatória conhecer o mistério do desterrado
“senhor Gomes” sai-lhe a caminho Sanhá Mané, filho do Régulo, “Alferes” do Corpo
Auxiliar do Exército Português, o laureado “Comandante em Chefe de todas as
Milícias e Tropas Auxiliares do Comando Territorial da Tabanca”
FRAGMENTOS XVIII
Eu
sei, Maria Adelaide como te enfastia este rodeio, este dobrar de esquinas há
muito ultrapassadas, este comprazimento em espremer o que gasto está e o tempo não
devolve, bem se sabendo que das nossas vidas não contam outros passos que não
sejam aqueles que juntos percorremos, como se os restantes não fossem outra
coisa que não seja o amaciar dos caminhos e a ponte que nos leva ao alvoroço e
ao destino de nossos corpos na fusão do acaso nosso, que tu eu, no fervor dos
sentidos e no encantamento do inesperado, quisemos arrancar do limbo das
possibilidades para a memória intima, em que agora nos derramamos, num
fingimento de verdade, que verdade se torna mais viva por cada fingimento que
nos arrasta, neste jogo que inventamos para melhor nos dizermos e assim melhor
podermos esticar o tempo (o nosso) vivido.
E
também sei, Maria Adelaide, que te deixei lá trás, suspensa de um beijo e de
uma resposta, com um livro roubado na mão (lembraste do título?) “exigência”
tua, em teu jeito de perversidade gaiata e mimada de me levares aos limites e
que eu sorvia na avidez rapace, em que me despenhava e que por ti fervia. Bem
sei, Maria Adelaide que é esse o tempo que buscas, o Eldorado sentimental e o
“Rosebud” em que te revês, a pulsão que te anima neste regresso de dizer-te
por linhas e portas travessas, em fingimento de mim e de ti, que a vida, outra
coisa não é que não seja o Grande Fingimento, que tudo devora. E, por isso, com
teus braços cálidos envolvendo-me e teu olhar luminoso e felino queimando-me
por dentro, insistes num murmúrio vindo do Além – “amas-me?”
Mas
talvez ainda não esteja amadurecido o tempo, nem apurado o momento. Deixa por
isso, Maria Adelaide que as palavras, sem caminho traçado, nem sujeito em que
se digam, sigam seu capricho e em seus enredos se despenhem nos tumultos e
acasos que te requerem. Tão inquietos e solícitos – os acasos vividos.
Mas,
por enquanto apenas uma resposta, ainda agora tão só pergunta:
“Que fazer com este Sanhá Mané, que em chão de
África espreita para dentro da narrativa?”
“Meu querido Manuel como tu continuas a
comprazer-te neste jogo de escrita sem te dares conta de que porventura estarás
a levantar ondas mais altas que as marés e assim acabes derrubado na praia qual
náufrago da epopeia da letras. Ainda se tu ao menos fosse um vate que as
sereias protegessem, como Camões no naufrágio do Indico, sei lá, mas isto de
sereias e ninfas modernas foram todas alugadas para alguma festarola no Algarve
ou então debicam banhos e mergulhos perfumados em alguma piscina
mixuruca, na Costa da Caparica, com se praia privativa fora, de tal forma que
corres o risco de ali ficares na praia exposto a lamber sozinho tuas feridas e mazelas.
Porque, meu querido, as tuas amadas Valquírias perderam seu tempo (onde os
guerreiros que as sirvam?) e hoje mais não são que adereço de um qualquer
teatro de bairro. Certo que eu nunca te negarei um afago seja qual for o transe
ou dor por que possas passar, mas a vida tem-me ensinado a ser cautelosa e a
prevenir em vez de cuidar. Por isso te previno, com alguma autoridade na
matéria, que a tal me obriga algum tempo de estudo (e deixa ficar para lá esse
teu esse sorriso que bem conheço e tanto me irrita) e a minha Licenciatura em
Literatura e Línguas Modernas e não apenas “licenciatura em línguas” como tu
velhacamente insinuas, com autoridade académica, portanto, te previno que esta
xaropada, que pomposamente designas por Fragmentos de um “Objecto Literário” se
está a transformar num “albergue espanhol” onde tudo cabe na tua pulsão tudo puderes
dizer, não deixando margem ou pé de leitura que se aproveite. Deixa-te por isso
de despejar aqui novos figurantes que nada têm para dizer e limita-te ao óbvio,
a saber, aprofunda com mais detalhe alguns dos teus personagens, alguns dos
quais, no traço grosso das suas vidas conhecidas, bem interessantes se mostram.
Porque não trazes a Lia para a ribalta, que essa sim, no percurso de sua vida,
com alguém que não tu, com verdadeiro talento poderia erguer como heroína e sua
vida uma epopeia
( “ e porque não de uma saga neo-realista, Maria Adelaide? – desculpa a ironia e a intromissão”)
( “ e porque não de uma saga neo-realista, Maria Adelaide? – desculpa a ironia e a intromissão”)
A tua ironia, meu querido, é evidente
sinal de que estou a bater certa. Deixa, portanto, para outros, que não para
mim, que eu bem conheço teus artifícios, essa balela de não haver tempo, nem
autor, que possa predeterminar destino da escrita, pois será sempre o “dedo
invisível” do escritor a traçar as margens do discurso literário.
E por amor da santa da tua devoção que não
é nenhuma bem sei, meu empedernido herético, que não te traga incómodo a
pergunta lá atrás em que dizes sou dependurada, pois, meu querido, as respostas
a perguntas íntimas têm seu tempo de validade, findo o qual, embora as
perguntas permaneçam, deixaram de ter importância as respostas.
Assim falou a drª Maria Adelaide,
licenciada em Literatura e Línguas Modernas, como se uma lição fora, ou quiçá,
um esboço de tese para apresentar na Academia de Ciências, na “Classe Letras”
está bem de ver, que ela tem conversa para dobrar qualquer júri.
Veremos, pois, que merecimento as suas doutas opiniões, nesta descosida narrativa.
Veremos, pois, que merecimento as suas doutas opiniões, nesta descosida narrativa.
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