terça-feira, junho 06, 2017

DEMOCRACIA versus CAPITALISMO! ...


Há uns anos atrás, nos alvores dos anos 2000, o célebre financeiro George Soros, num livro sugestivo com o título “A Crise do Capitalismo Global – a Sociedade Aberta Ameaçada”, interrogava-se – cito de memória – “se a democracia seria compatível com o sistema capitalista”.

Embora o capitalismo esteja associado à democracia e lhe tenha servido de legitimação ideológica, considera, no entanto, o financeiro, no citado livro, haver quem sustente ser necessária uma “certa forma de ditadura para que o desenvolvimento se desencadeie”.

Pois não é verdade que, entre nós houve quem, enquanto ministra das Finanças, tivesse sugerido a “suspensão da democracia por uns tempos” até as contas públicas ficarem em ordem. Procurou a pessoa em causa rectificar depois, como se ironia fosse, mas o agravo à democracia ficou. Sem remissão…

Com o ressurgimento de movimentos da extrema-direita na União Europa, a vitória do Brexit e a previsível vitória dos conservadores nas próximas eleições, no Reino Unido, bem como a eleição de Trump para a Presidência dos Estados Unidos da América do Norte, têm, ao que parece, feito tocar as campainhas de alarme e a sobressaltar os espíritos mais lúcidos e as consciências mais inquietas.

Para a opinião pública norte-americana mais informada, o embate entre capitalismo e democracia deve soar realmente com muita estranheza e perplexidade. De facto, a democracia e o capitalismo sempre se constituíram como irmãos siameses “nos actos fundadores” da grande nação norte-americana. E a fusão (melhor seria dizer a “confusão”) entre a democracia e capitalismo foi, como se sabe, leitmotiv durante a guerra fria, para os governantes e opinião pública norte-americanos, que, na sua propaganda e acção política, sustentavam serem o comunismo e democracia incompatíveis.

Mas depois da guerra fria as coisas complicaram-se. É verdade, que após o colapso da URSS, os políticos norte-americanos e os intelectuais que, por todo o mundo os servem, quiseram fazer-nos acreditar que levar o capitalismo à China seria a proclamação da democracia naquele país. Vê-se agora o tamanho da presunção. A China está sentada numa montanha de títulos de dívida pública norte-americana, sem o mínimo abalo no regime político, que sustenta os enormes ritmos de crescimento e de exploração.

Se nos quisermos aproximar da realidade europeia, então constataremos que a democracia, a “tal santa que continua mumificada nos altares” como diria Saramago, tem sofrido, nos últimos tempos, tratos de polé. Em nome da austeridade, as grandes instituições financeiras abriram, sem pudor, guerra aberta aos governos e instituições democráticas.

Assistimos, assim, estupefactos, a que os ditos mercados capturem a democracia, de forma deliberada e pensada. Políticos, então, no exercício de funções governativas, sustentaram, sem pudor, que os seis países da zona euro, com a classificação triplo AAA, pelas agências de rating deveriam ter “mais voz” nos assuntos económicos europeus que os onze membros restantes. E, assim, a Europa meridional ficar subordinada politicamente à Alemanha e à Escandinávia e, em última análise, aos ditames da classificação creditícia pelas agências especializadas.

Grave é que tais ideias fazem caminho nas instâncias comunitárias, como foi bem patente nos últimos anos, em que a democracia (mitigada) no funcionamento da União Europeia se vergou à vontade da senhora Merkel.

Bem vistas as coisas, o que os denominados mercados estão a fazer é ilidir a componente de igualdade social dos indivíduos e dos Estados, inscrita na matriz da Democracia e na génese da revolução liberal. E, em alternativa, ao princípio, de “um homem um voto”, como a matriz da democracia representativa impõe estabelecerem o princípio de “um euro, um voto”, quer dizer, a “condição de proprietário” (deter poder económico) para se poder ser beneficiário da Democracia.

Uma regressão histórica que nos remete para a antiga Grécia e, na história moderna, para o século XVIII, em que o “direito propriedade” estava acima de qualquer legalidade constitucional, como, aliás, a constituição de alguns estados norte-americanos ainda consagra.

Manuel Veiga




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