Ficamos, portanto, apenas os dois. Estendi os braços
sobre a mesa para recolher tuas mãos nas minhas, fixei-te o rosto um tanto
amargo e o fulgor de teus olhos perdido e de coração apertado, num prenúncio
nefasto, quis saber “que se passa contigo, Maria Adelaide, estás doente?” rolou
então uma lágrima de teu rosto, que disfarçaste com os óculos escuros e
quebraste o silêncio pesado e agoirento “dá-me um cigarro!” e eu aflito por não
te poder valer, “mas eu deixei de fumar, minha querida! Mas peço cigarros para
ti” - fazendo um gesto para o empregado que a curta distância aguardava - “não,
não deixa lá, não te preocupes” – insististe – e já senhora de ti,
aparentemente apaziguada, “que bom teres deixado de fumar” – numa gaiatice
risonha – “tu consegues sempre tudo aquilo que desejas” e nessa lisonja
ensaiaste a fuga a que não dei margem “não é de mim que falávamos, que se passa
contigo, Maria Adelaide? Estás doente?” e, então, todas as tuas defesas ruíram
e, um choro galopante e incontido, toma conta do teu corpo, acorri a ti,
envolvendo-te em meus braços e saímos, por entre a curiosidade do público e
a solicitude do empregado, a quem estendi duas notas.
Já dentro do automóvel,
dominado o choro, ainda soluçante, “estou muito doente, meu querido, na próxima
semana sou internada para retirar um seio”, abracei-te, então, perplexo, não
sabendo bem se te para te proteger, se para em ti, Maria Adelaide, encontrar
refúgio no meu desamparo, assim ficamos, longamente abraçados, vítimas
indefesas, do destino, dos deuses, ou do acaso ou da merda que seja que comanda
a vida e a morte até tu me arrancares do torpor, enxugando os teus olhos e
compondo a maquilhagem “estás proibido de me visitar ou telefonar” e, perante a
minha contrariedade, “quero ficar para ti sempre bela e perfeita” e, antes que
eu pudesse reagir, calaste-me com um beijo ardente e longo, e afastando o meu
gesto de reter-te, saíste abruptamente, compondo a lágrima que afogava o verde
de teus olhos, debaixo dos óculos escuros.
Foi a última vez que te vi, Maria Adelaide. Passados
menos de dois meses soube da tua morte. Foi a Lia quem me telefonou, chorosa e
meu deu conta das cerimónias de que a morte se reveste. Escolhi a hora mais adequada
para te prestar homenagem silenciosa, evitando amigos e conhecidos e poupar-te
a inevitáveis falatórios. O Pedro saiu do seu lugar e veio abraçar-me,
comovido. Despedi-me, passados minutos. Deixei-te uma orquídea, de que tanto
gostavas!
À saída, cruzei-me com o João, pai de teu filho! Trocamos
um breve aperto de mão, frios e distantes.
Manuel Veiga
FIM (ou talvez não)
9 comentários:
Tão triste este fim para a Maria Adelaide... É verdade que a vida é por vezes muito cruel. Mas a Maria Adelaide, tinha que acabar assim? Há tanto tempo que não a encontrava aqui e agora diz-me que morreu... Não, meu amigo, não pode ser...
Um grande beijo.
Fabuloso texto. Boa continuação :))
Hoje:- Sou terra e mar...Sou sol e lua
-
Bjos
Votos de um Domingo Feliz
"Elementar, meu caro Watson!"
Graça, minha amiga,
Maria Adelaide morre, sim.
ainda tentei convencê-la a um final feliz, porventura com um desses poetas de largas audiências na net, mas ela negou-se terminantemente...
beijo
Caro Manuel,
Também estou inconformado... Mas não perderei o ânimo para recompor toda a história com uma leitura ruminada quanto prometida! Sobretudo por Adelaide rss
Grande abraço, Manuel!
Saio com algum desapontamento. É inevitável.
Há autores que nos deixam esta amargura, quase real. A Maria Adelaide havia de ter gostado da orquídea.
Beijinho, Manuel.
Então é mesmo o fim?
Em todo o caso, um fim que já se anunciava no capítulo anterior com alusão a um problema num seio. O autor não se deteve nesse pormenor apanhando-nos desprevenidos.
Um texto com as emoções à flor da pele.
Parabéns,meu Amigo.
Abraço
Olinda
sensível
Amigo Manuel,
Para mim, que acompanho desde o começo, totalmente
coerente o desfecho da personagem Maria Adelaide
com o seu perfil psicológico apresentado
implicitamente pelo o autor.
Foco nesta cena tão bem escrita e comovente,
que assina a sua excelência de Escritor.
Confesso que eu me emocionei muito com o
fim da personagem. E isto representa o seu
enorme talento de ter construído a personagem
Maria Adelaide tão real, viva e impetuosa,
que a morte não lhe cabe.
Parabéns!!!
Bjos.
A morte faz parte da vida... e a vida nem sempre tem contemplações com os seus personagens... nem sempre há finais felizes... mas as personagens... tiveram momentos felizes... e esses momentos, terão valido por uma vida inteira...
Também não tive oportunidade de acompanhar a história... mas entendo a necessidade de tornar esses momentos vividos pelas personagens, mais preciosos, intensos e inesquecíveis... e só a morte... o conseguiria... a vida... tem sempre o condão de nos passar despercebida, tantas vezes... e a felicidade também...
Belíssimo e tocante, este Final!...
Beijinho
Ana
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