terça-feira, fevereiro 05, 2019

"A VELOCIDADE DA LUZ" - Manuel Gusmão


“Há uma rotação do teu corpo –
Andas pela casa: és um leve rumor sob o silêncio
Um rumor que alumia a sombra silenciosa;
Na sala, o homem quase surdo quase cego
Ouve-te, julga reconhecer-te: vens aí.
Estás aqui. O intervalo de tempo já começou:
Há uma rotação no teu corpo
Que me exclui do mundo e
Entretanto é feita para mim; atinge-me
À velocidade da luz.
E eu o homem quase surdo quase cego
Sou tomado pelo vento do fogo que me consome
Até ser apenas a última brasa: pequenas ravinas de luz
O incêndio restante sob a exausta crosta da terra
Estavas, estiveste ali.
O tempo recomeça.
Apareces e desapareces.
Como a luz do farol disparando no céu sobre as casas
Ou como o anúncio luminoso do prédio em frente
Que varre intermitente a obscuridade do quarto no filme.
Quando voltará?
É como se soubesses
Que voltará, sim, e que não, não poderá voltar.
Quando, e se voltar, serei eu talvez
Quem já lá não está. Quando
É quando?
Quanto tempo ainda poderá o mundo voltar
À possibilidade dessa forma?

Manuel Gusmão
In: Teatros do Tempo, Editorial Caminho, 2001


3 comentários:

Larissa Santos disse...

Muito bom:)) Adorei.

Hoje:- Quando os dias pesados me abatem o rosto

Bjos
Votos de uma óptima Quarta-Feira .

Olinda Melo disse...


Uma publicação oportuna, aliada à Medalha de Mérito Cultural com que o poeta e ensaísta foi distinguido.

Obrigada, caro Manuel Veiga.

Abraço

Olinda

Teresa Almeida disse...

Um poema fulgurante que encerra múltiplas emoções.

Belíssima e oportuna escolha, meu amigo Manuel!

Beijos.

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