sexta-feira, fevereiro 15, 2019

DA IMPORTÂNCIA DO NOME ...


A Revolução liberal de 1789, como se sabe, aboliu os privilégios pessoais. E, na sua pulsão libertadora, fundou uma nova ordem social e proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão para a qual “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos; as distinções sociais não podem ser baseadas senão na utilidade comum.”


Em consequência, a partir daí, o direito ao nome, no conjunto dos direitos de cidadania, não será mais objecto de outorga, isto é, imposição ou dádiva, mas antes considerado como direito natural, inerente a todos os indivíduos.

Sinal imprescindível da personalidade, o nome pessoal extravasa, porém, a palavra que o enuncia. Representa, sobretudo, aquilo que somos; ou seja, o nome é o símbolo que reveste o seu titular e unifica o indivíduo: estrutura corpórea, mas também a dimensão psíquica e conjunto de valores éticos, políticos, intelectuais e morais, que definem o carácter.

Por outras palavras, o nome constitui o sinal mediante a qual a sociedade nos interpela, a evocação pelo qual somos reconhecidos durante toda a vida e, de alguma forma, nos propaga no tempo, pois que, como símbolo da identificação e da individuação pessoal, nos vincula à nossa vivência e ao mérito (ou demérito) da nossa participação colectiva.

Na sua dimensão simbólica, o nome pessoal é também expressão de uma ideologia: de classe, de grupo ou de uma família. Os nomes pessoais falam para além das pessoas que designam. Revelam mais do que afirmam. Desde logo porque, hoje em dia, para as grandes massas aculturadas pela ideologia dominante são um fenómeno de moda. (“Maria Albertina porque foste nessa/ de chamar Vanessa/ à tua menina?”).

Noutros casos, sobretudo, nas classes dominantes, o nome pessoal é a projecção social de um futuro que proclama, por isso, no nome de baptismo se inscrevem as referências familiares dos antepassados mais distintos, num processo que (dir-se-ia) da mesma natureza com que os primitivos usurpavam o nome dos animais ou fenómenos naturais que os seduziam. Em boa medida, é verdadeira a expressão “diz-me como te chamas, dir-te-ei quem desejam que sejas...”

Este fenómeno é replicado nos processos democráticos ou revolucionários, em que os nomes de líderes e de vultos destacados são assumidos pelas massas e os inscrevem no registo dominante dos nomes próprios em determinado momento histórico. Por exemplo, na geração do post 25 de Abril, são frequentes os nomes de “Vasco” e de “Catarina”, como homenagem a dois vultos maiores da revolução – Vasco Gonçalves e Catarina Eufémia.

Acontece que, na sua expressão simbólica, os nomes podem ser manipulados como instrumento de luta ideológica. De facto, como se referiu, o nome é direito natural de que todos homens, sem distinção, são sujeitos. Quer dizer, portanto, que o nome igualiza todos os homens, colocando-os, ao menos no plano formal (deixando por agora de fora as desigualdades derivadas da situação concreta de cada um no sistema de produção), em lugar idêntico perante o direito e a sociedade.

Mas se o direito igualiza, a ideologia distingue.

Vejamos. Os nomes produzem um efeito especular, unificador das características pessoais de cada um, que no seu conjunto definem a sua individualidade própria, como ficou dito.

É mediante esse efeito que os indivíduos em concreto se reconhecem e a sociedade os interpela como homens e cidadãos. Eliminar ou elidir alguma das características individuais expressas simbolicamente no nome, será diminuir a personalidade do indivíduo. Ignorar deliberadamente, truncar, substituir, abjurar, diminuir o nome de uma pessoa é, de alguma forma, decretar a sua “morte civil”...
 (…)

Manuel Veiga

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA e Outras Metáforas
Modocromia – Lisboa 2015



2 comentários:

Olinda Melo disse...


Muito bom. Um complemento ao poema abaixo publicado. Uma revisão dos direitos e deveres trazidos pela Revolução Francesa, situação que foi sendo revista nos anos subsequentes, não nos esquecendo que nessa Carta a Mulher não vinha incluída. Penso ter em tempos feito uma reflexão, no "Xaile", sobre uma mulher que ousara pôr o documento em causa, apontando as diversas falhas.Seria castigada segundo os cânones da época.

A assumpção de nomes de árvores, animais, alcunhas, que ficavam como nomes de família para a posteridade, é um facto. Também sabemos que serviçais e escravos adoptavam os nomes dos seus patrões e exploradores. Aliás estes despojavam-nos dos seus nomes originais, anulando-os como pessoas.

Um mundo imenso que o seu texto nos deixa entrever.

Um bom fim de semana, Manuel Veiga.

Abraço

Olinda

Agostinho disse...

Já não ouvia o JBM há séculos.
Pessoa é pessoa dois pontos
(com exclamação)
Não há nome sem pessoa
Nem pessoa sem nome

Abraço.

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