sexta-feira, fevereiro 01, 2019

DESUMANA ESPERA.


Nada é começo na contabilidade das horas
Nem águas moles são destino de barcos
Nem a alienação dos passos
Devoção dos dias.

E, no entanto, administramos silêncios.
Cabisbaixos. E os dedos são compasso
De um círculo que se ferra
No pescoço dos náufragos
E asfixia o grito.

E devora por dentro em fervor negro
Como bolor em pão ázimo
De porta em porta
Negado...

Somos leilão de condenados.
E nem sequer o sabemos.
Que nem, ao menos, o preço nos distingue
Na volúpia do deve e do haver.

Libertos, talvez, pela palavra clandestina.
Ou na bruxuleante luz da candeia
A iluminar a gruta. E a inverter
A ilusão da Claridade.

Ou apenas na granítica esperança
Fogo e água profundos a soletrarem a sede
E a (des)humana espera.

Manuel Veiga

5 comentários:

Larissa Santos disse...

Poema magnifico ...

Bjos
Votos de uma óptima Sexta - Feira

Teresa Almeida disse...

Um poema que se move nos meandros da intervenção social. E a palavra é a ferramenta adequada. Manuel Veiga gosta de a esgrimir. E, na verdade, tem -se afirmado poeta versátil, poeta de eleição.

Beijo, meu amigo.

manuela barroso disse...

Lamento e grito inscritos no teu fantástico poema com o azedume que nos cerca e revolta cada hora.
Beijinho, querido amigo, Manuel

Tais Luso de Carvalho disse...

E, no entanto, administramos silêncios.
Cabisbaixos. E os dedos são compasso
De um círculo que se ferra
No pescoço dos náufragos
E asfixia o grito.


Show de poema, meu amigo Manuel, claro que é um pouco dolorido, um lamento silencioso, cabisbaixo, mas é essa verdade que sai lá do fundo d'alma é que nos faz sentir um poema cheio de verdades e sentimentos. Tantas coisas na vida são desumanas, aliás, o nosso final, o último suspiro é uma longa e desumana espera, não? Não tem como não pensar nisso.
Lindo!
Beijo, um ótimo domingo, amigo!

José Carlos Sant Anna disse...

Car amigo Manuel,

desde o título, é preciso não deixar escapar uma só palavra no poema, no encontro consigo mesmo e com outros. E haja rigor e vigor, na escolha semântica, para traduzir esta procura ou este desencontro e notarmos a importância à palavra no processo de conhecimento. O sujeito sabe o que diz e porque o diz. É marca do poeta Manuel Veiga!
Um forte abraço, poeta!

ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...