Nego-me à estética do Horrível. E ao tamanho
Do vírus. E à dimensão da Pandemia.
E à música de Wagner como se a cavalgada
Das Valquírias fosse enfeite a enquadrar o telejornal
Ou nauseabunda esteticização do Desastre
A celebrar o Espectáculo dos corpos esventrados
E as labaredas a lamber os impassíveis olhos
Não refeitos ainda da voragem do Pânico.
Nego-me ao microfone em riste a invadir as bocas
E a colher a baba das palavras. E a espremer
O pormenor da Lágrima. E a dobra da Agonia
Como se viver ou morrer fossem noção certeira
Perante a iminência da Morte.
Nego-me a doutas opiniões e ao grande Debate
E ao arroto da Sabedoria ao serviço da Ganância
A desenhar manobras e as invisíveis rotas
Do Lucro e a permanente encenação do Mesmo.
Nego-me ao leilão das alvas consciências
A pingarem gordurosas a beatitude da Banca
E a arrotarem sobre os altos muros
Da Instituição.
Nego-me aos faiscantes cibernantropos
A salivarem tweets e likes e o rabinho eletrónico
A dar a dar e a babarem-se sem sequer saberem
Que nada são ou dizem – apenas ridícula imitação
Dos Donos e a macaquearem os seus gestos
Nego-me à obscena exasperação dos lugares
E da Dor compulsiva. Que sendo também minha
É apenas Simulacro.
Palavra que não redime. Nem me salva.
E que, no entanto, teima –
Acre lucidez de cinza.
Manuel Veiga
12 comentários:
Lendo, remeto-me à minha ignorância e, em silêncio, bebeo cada verso deste FABULOSO poema. Aplaudo de pé.
Feliz domingo
Boa tarde Manuel,
Um poema de excelência que, de forma sublime, reflete a negação das diversas "pandemias" que cada vez mais proliferam e nos vão tirando o viço fazendo-nos acreditar que a sociedade está deveras doente.
Um beijinho e uma boa semana.
Ailimw
Também me nego, meu Amigo. Afinal só as palavras dos poetas e dos sonhadores podem redimir e nos fazem abeirar de um silêncio que nos salva…
Magnífico o teu poema!
Uma boa semana.
Um beijo.
Repúdio do sensacionalismo e da grandiloquência do absurdo
em que se transformou a sociedade. Pior ainda porque se
tornou global. Não há fronteiras, nem bom senso.
Tudo nos entra pela casa dentro e se não nos ativermos activando
a nossa própria carapaça, para nos protegermos de tanta banalidade
e ressaibos de sabedoria, cairemos doentes de corpo e alma.
Magnífico Poema, meu amigo.
Abraço
Olinda
Palavras sentidas e pertinentes nem poema magistral.
Um grande abraço.
De regresso, ainda devagarinho, mas já com autorização médica, para curtos períodos.
Um belo poema que é um grito de revolta contra esta sociedade ávida de crises que nos rodeia.
Abraço e uma boa semana
Belíssmo poema que nos leva a pensar muito na dimensão desse assunto, dessa pandemia. Vários programas jornalísticos estão trazendo muitos pontos de vista, e dá o que pensar.
Entendo bem o que você diz, mesmo com tanta poesia envolta, o que serve para suavizar nossa leitura.
Poema forte... Aplausos dobrados!
Beijo, meu amigo, uma ótima semana!
Vou ouvindo, deliciada, a cavalgada das Valquírias e matutando no desnorte do coronavírus que pelo mundo anda cavalgando.
Tomemos, então, os cuidados necessários!
Quanto ao teu poema é de uma força notável ... e no entanto ... " a acre lucidez da cinza".
Beijos, meu amigo Manuel
Neste seu lúcido poema, ACRE LUCIDEZ DE CINZA..., o Poeta não aceita o que dizem, em muitos países, do mal que a todos ameaça: o coronavírus, que por trás dos horrores divulgados pela mídia há muita gente engordando a sua conta bancária. Então, pergunto ao Poeta: posso eu discordar dessa sóbria posição? Respondo que não. Filio-me, pois, a essa posição defendida pelo Poeta, o meu caro amigo Manuel.
Gostei muito do seu poema, amigo Manuel.
Uma boa quarta-feira.
Um abraço.
Não me nego, à qualidade poética, deste magnifico trabalho, Manuel... mas permita-me não negar... as inquietantes notícias, que chegam de Inglaterra e Itália... onde este vírus foi desvalorizado!...
Aprendamos com o exemplo chinês... o problema foi reconhecido (com mais de dois meses de atraso, e tal permitiu que chegasse aos 4 quantos do mundo)... mas sendo finalmente reconhecido... foi combatido!... Com muitos sacrifícios pessoais de toda a gente, por lá... Aqui ainda não nos caiu a ficha, de que temos de agir da mesma forma... controlar fronteiras... cidades... ficar em casa duas ou três semanas... enquanto isso... será ver os hospitais a encher... e os mais vulneráveis a morrer... que poderiam continuar vivos...
Uma coisa é certa... o mundo mudou depois do 11 de Setembro... e mudará de novo, com as lições que irá tirar... do que ainda estará para acontecer, nos próximos 2 a 3 meses... Não admira pois que o director da OMS, tivesse dito, com todas as letras... que o mundo não está preparado para esta pandemia... qualquer problema respiratório... mata uma pessoa em menos de uma semana, ou em horas... apercebi-me de tal... quando no ano passado a minha mãe teve uma crise de insuficiência respiratória, e ia morrendo de pneumonia, em poucos dias!... Em menos de uma semana... não há medidas que se tomem atempadamente, nem infraestruturas que cheguem, nem mentalidades que mudem... por cá, o tal vírus só foi reconhecido, depois da Convenção literária em que Sepulveda participou, e não teve como se negar o óbvio, quando deu positivo em Espanha!... fizemos como os chineses... reconhecer o problema com atraso... para tentarmos improvisar condições... e no processo um considerável número de vitimas, irá haver... enquanto não for imposto um forçado recolher colectivo, para não serem ainda mais!... Tão simples, como isso! Em Inglaterra já se consideram 2 meses!...
Beijinho
Ana
~~~
Eu componho uma sinfonia de espirros, espalhando virus pela casa...
Com um bravo resfriado...
Nega-te peremptoriamente, mas cuida-te bem.
Um modo muito original de demarcares-te contra o capitalismo...
O meu abraço amigo.
~~~~~~~~~
A maldita lucidez que incomoda,
contraria o guião: cinza tua e minha.
Abraço.
Enviar um comentário