Sou
este chão e esta mágoa
Caliça
do tempo em redemoinho
A
embargar os olhos gastos…
E,
no entanto, a terra desmedida
Como
quem acerta contas.
E
o fio de água e os gretados lábios
E
o rumor dos sonhos.
E
os ecos.
E
as maçãs emolduradas
E
o fio de prumo
Em
que me despenho
E
inscrevo na incisão
Do
sangue
Rito de passagem
Em
que me digo filho e pai
E
me acrescento
E
sou o mesmo.
Terra minha
E
o Mundo inteiro!...
2.
Evoco
os nomes e os gestos. E o tempo circular.
E
os mistérios. E os murmúrios.
E
o cirandar das mulheres. Tecedeiras. Sábias.
Sibilas.
Herdeiras de outroras. E auroras.
A
raiar tarefas. Lestas.
E
a distribuírem o pão.
Parco.
– Ala, que faz tarde!…
E
a canícula. E a sesta. O benigno freixo
E
a ceifa. E o vinho, em círculo, de mão em mão
Servido.
E de boca em boca sorvido.
E
as gargantas ávidas.
E a revoada de tordos espantados.
Em
meus olhos. Agora húmidos.
E
as jaculatórias. E as preces. E os cânticos.
E
os sinos. E as festas. E o donaire das raparigas
E
púberes seios em meus dedos
E a poeira dos caminhos
E
fio invisível das coisas
Que
religam. E tecem. E se intrometem
E
nos guardam. Bênçãos
Sejam!...
E o trilho de meus passos.
E
a cavalgada dos sonhos. E os enganos.
E
os fracassos. E as partidas. E os retornos.
E
aquele abraço. Erguido do chão
Como
quem aguenta todo o peso do Mundo.
Em
seus braços…
3.
E
o nome do Pai. E em louvor da Terra-Mãe.
Evoco
o gesto largo. E nobre.
De
quem semeia
E pouco colhe.
Sou
esta raiz. E esta sede
E
o fio de água
E
esta poeira
Calcinada…
Manuel
Veiga
Colectânea
“Vozes
Transmontanas 2020”
Academia
de Letras de Trás-os-Montes
14 comentários:
Fantástico, como sempre!! :)
-
Sonhava ser...
-
Beijo, e um bom fim de semana.
Poema fascinante que muito gostei de ler
.
Bom fim de semana
Muita Saúde e Paz
E és uma raiz forte que suporta tudo, meu amigo.
Beijo e bom Setembro
Que belíssimo poema para pós férias, Manuel!
Um tanto triste, reflexivo, mas assim todos vamos levando a vida, carregando o imenso fardo com que a vida nos brinda. Porém, de vez em quando chegam alegrias para suavizar os caminhos.
"E o trilho de meus passos.
E a cavalgada dos sonhos. E os enganos.
E os fracassos. E as partidas. E os retornos.
E aquele abraço. Erguido do chão
Como quem aguenta todo o peso do Mundo.
Em seus braços…"
beijo, parabéns, ótimo fim de semana!
Este poema é uma voz transmontana, uma revoada de afetos e um louvor à Terra - Mãe. É um trilho de passos de um poeta de alta estirpe que engrandece a coletânea da ATML/2020.
Haveria tanto para dizer, meu querido amigo Manuel Veiga, que - de tuas palavras - apenas me faço eco.
E esse "Siga a malta" dos "Galandun Galundaina" é um apontamento musical culturalmente rico e muito adequado ao tema.
Abraço arrochado
Tudo o que fazemos na vida molda-nos de acordo com o que somos, e aquilo em que nos tornamos faz de nós seres integrantes da própria natureza.
Abraço poético.
Juvenal Nunes
Salvé, Poeta!
Qual caminheiro, percorre a fundo caminhos e memórias, e imprime com o seu cajado poético a marca indelével de uma emoção que atinge também o leitor.
Essas terras para lá dos montes, que com a dureza orográfica guarda ciosamente as suas tradições e caleja a vontade dos homens, vê nesse Filho que também é Pai a expressão de um grande talento.
Não há neste Poema verso ou estrofe que não nos traga a sensação de olhos húmidos e nó na garganta.
Apraz-me registar a seguinte passagem, dedicada à faina das mulheres e que aqui encontram espaço privilegiado de apreço:
"Evoco os nomes e os gestos. E o tempo circular.
E os mistérios. E os murmúrios.
E o cirandar das mulheres. Tecedeiras. Sábias.
Sibilas. Herdeiras de outroras. E auroras.
A raiar tarefas. Lestas.
E a distribuírem o pão.
Parco."
Bem-haja, Manuel Veiga.
Abraço
Olinda
Somos tudo e somos nada...
Enfrentamos a dor e a alegria...
Brilhante
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta
MV
E eu li e vi um dos poemas mais belos por aqui.
O resumo de uma vida.
Gostei deveras!
Boa semana!
Beijinhos
:)
Li e reli este teu poema, tão belo. Li e reli comovida com as palavras que pronuncias em nome do Pai e louvor da terra.
Do escritor japonês Jiro Taniguchi te deixo estas palavras: "Não somos nós que regressamos à terra, é ela que um dia chega aos nossos corações".
Uma boa semana com muita saúde meu Amigo Manuel.
Um beijo.
Tão belo, mas tão belo, Manuel, que me comovi ao ler este seu poema de excelência.
Qualquer palavra que acrescentasse o desvirtuaria. Fico apenas a lê-lo e a relê-lo para meu enlevo.
Um beijinho e um mês de setembro muito bom.
Ailime
Manuel,
Somos tudo que seus versos
tão bem diz
e muito além das palavras
também.
Adorei essa viagem.
Bjins
CatiahoAlc.
Em nome da excelência deste poema, só posso dizer parabéns pelo talento que estas palavras tão bem expressam.
Bom fim de semana, caro amigo Veiga.
E boa Festa.
Abraço.
Em nome do Pai louvo o teu poema. meu caro Manuel. E este belo louvor à terra. E esta emotiva evocação. E o triunfo da palavra para enunciar poeticamente o que se diz, o como se diz, o quanto se diz... Rendo-me à sua palavra poética!
Um forte abraço,
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