domingo, fevereiro 13, 2022

A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI 33


Face à insistência muda, mas nem por isso menos eloquente, compreendeu Manuel Maria, que não tinha forma de se livrar do chauffer e do luxoso automovel. Entrou pois o jovem para viatura um pouco intrigado e inquieto, pois bem sabia que Federico Amásio, Senhor da Casa Grande, tinha por ele, Manuel Maria, tanta afeição quanta um galgo tem por uma lebre. A que prpopósito a distinção do luxuoso automóvel? – interrogava-se!.. ou que maquinação,  naquela mente perversa? – cismava...Intrigado, Manuel Maria não dedicou, porém, mais que uns breves segundos à qestão do automóvel e já que ali estava era ir em frente e despachar-se o mais rapido possível das razões urgentes , que o traziam à Casa Grande. A Revolução estava nas ruas de Lisboa e outras cidades e não seria o “mando” de Federico Amásio, nem o afecto das duas mulheres, que o amavam, como se ambas, mãe de Manuel Maria fossem, quem o iriam reter.

O velho chauffer mal arrancou com o automóvel, começou a despejar as notícias e acontecimentos trágicos dos últimos dias, o Senhor da Casa Grande faleceu e está toda a gente à espera na Igreja a para o funeral – uma tisteza! Ainda se, ao menos. tivesse sido uma morte natural era lá com Deus e suas contas, que bem sabemos não seriam poucas, mas morrer assim, arrstado, com o rosto desfeito, irreconhecível, um monte de carne e ossos, como se peça de açogue, E, olhando de soslaio Manuel Maria em busca do   efeito da suas palavras, perante a estupefação do jovem, o zeloso mensageiro, prosseguiu a narrativa, conferindo à voz tonalidades de tragico-cómicas Sua Senhoria era doido por cavalos, bem o sabiamos todos – acentuava – e acabara de comprarm um potro loução, fino e luzidio, como a seda, mas mais bravo que um toiro desembestado, Nâo faltou quem tivesse o cuidado de avisar Sua Senhoria que o garrano era má rês que não deixava passar a mão pelo lombo ,quanto mais colocar os arreios. Foram necessários três homens valentes para colocar o selim, Sua Senhoria teimava em ser ele próprio a desbastar o animal e ordenou a dois homens para segurarem o cavalo pela barbela, enquanto um terceiro homem procurava aparelhar o animal, que mal sentia o selim sobre o lombo saltava em duas piruetas e lá iam os aprechos pelos ares, uma, duas, varias vezes, até o animal parece ter acalmado  e finalmente ser possivel apresentar a Sua Senhoria, o potro rebelde para primeira lição.

Enfim. o cavalo seguro, agora, apenas pelas rédeas, fez meia duzia de piruetas, que Federico Amásio aguentou com perícia, dando a ideia que sim senhor, tínhamos cavalo e cavaleiro. Federico Amásio sorria, Mas – vão lá conhcer-se os caprichos e melindres de um cavalinho loução, de pelo fino e luzidio como seda?!..Mandava o bom senso, que o cavaleiro se respaldasse na ajuda dos seus empregados para, com maior segurança, poder montar. Mas  Federico Amásio, não. Toldado pela vaidade (e pelo alcool), mandou que toda a gente se afastasse, formando um circulo, em volta do cavalo e e do cavaleiro, atento o pessoal a qualquer auxilio. O cavalinho, seguro com mão firme nas rédeas , batia com as patas no tereeiro, mostrando impaciência que Federico Amásio procurava  dominar, com palavras dóceis e palmadas carinhosas no pescoço e espádua e, quando lhe pareceu o momento oportuno, meteu o pé no estribo e elevou perna  contr«aria, com em vista a ultrpassar a altura do animal e ficar instilado no selim.

Se era essa a intenção do cavaleiro, não era esse, porém, o interesse do cavalo. Dito isso, no momento em que Federico Amásio, com o pé firme no estribo, eleva o corpo, no  nomento em que o cavaleiro forma o salto, nesse momento decisivo, de destreza e arte, com o cavaleiro, a “voar” sobre a garupa, para ficar sentado, com elegância, no selim, o cavalinho arredio na iminência ser montado, solta um relincho lancinante,  ergue-se, sobre as patas trazeiras e tomba sobre o cavaleiro, que ficou, literalmente espalmado debaixo do cavalo, corpos de cavalo e do cavaleiro a espernearem no chão, Federico Amásio a procurar desenvencilhar-se do estribo que lhe predia o pé e o cavalinho solto das rédeas, ergue-se num ápice, evita os  homens que lhe querem deitar mão e corre portão fora, levado, na corrida o corpo indefeso de Federico Amásio, que com a perna presa no estribo e incapaz de se libertar, é arrastado fatalmente pelo galope cego do cavalo, que, como um relâmpago, zarpou porta fora, a correr a toda a brida, vencendo todos obstáculos, nessa corrida endiabrada.Horas mais tarde, o cavalinho loução, fino e luzidio como seda, foi encontrado à sombra de um carvalho, calmo e dócil, com os restos do cadáver de Federico Amásio, membros e corpo da dependurado do selim e o crâneo partido, expelindo pela chaga aberta pedaços massa encefálica.

O velho chauffer, suspende por uns segundos a minuciosa descrição e, olhando de soslaio o jovem Manuel Maria eu sei que há gente que não acredita, mas para mim esta tragédia foi obra do Diabo,

Manuel Maria não teve tempo para replicar. Tinham chegado...

No adro da Igreja, pequenos grupos falavam em voz baixa, Alguns homens tiraram o chapéu à passagem de Manuel Maria  que mal dava por conta. Todo o seu ser vibrava na evocação da criança enfermiça, a esconder de vergonha o rosto no colo de duas mulheres, que ambas o amavm, como se ambas sua mãe fossem e um homem, de mãos grandes, tão grandes que vão da Terra ao Cèu, um homem ajoelhado frente a outro homem. a pedir  perdão... Mas a pedir perdão de quê, meu Deus? se o homem que pedia perdão, apenas desejava um pouco de dignidade, trabalho, que mãos e corpo para trabalhar tinha ele para sustentar a familia. Com essas memórias a arderem por dentro com ferro em brasa, Manuel Maria entrou na Igreja...

Por essa hora, no quartel do Carmo, em Lisboa, negociava-se a destituição de Macelo Caetano, com cravos vermelhos na rua e o Povo em festa – Fscismo Nunca Mais!...

 

Manuel Veiga

 

 

1 comentário:

Olinda Melo disse...


Amigo Manuel Veiga

Esta "Carta que nunca te escreverei" tem aqui um
desenvolvimento digno de nota.

A morte do Senhor da Casa Grande, Federico Amásio,
é marcante nesta trama pois ficamos já a magicar
no que virá a seguir.

Devo dizer-lhe que adorei este texto, um dos seus
melhores neste romance. Tem um ritmo que quase
causa ansiedade quando o chauffeur nos dá conta
da tragédia que ceifa a vida desse personagem.

O autor esmerou-se tanto na caracterização da sua
personalidade como quando decidiu pô-lo fora de
cena.

Abraço
Olinda

NA ORLA DOS LÁBIOS...

  O poema desenha-se na orla dos lábios Na íntima tensão do verbo antes de explodir Itinerário de sombra rente à luz   Ou murmúrio...