Face
à insistência muda, mas nem por isso menos eloquente, compreendeu Manuel Maria,
que não tinha forma de se livrar do chauffer e do luxoso automovel. Entrou pois
o jovem para viatura um pouco intrigado e inquieto, pois bem sabia que Federico
Amásio, Senhor da Casa Grande, tinha por ele, Manuel Maria, tanta afeição
quanta um galgo tem por uma lebre. A que prpopósito a distinção do luxuoso automóvel? – interrogava-se!.. ou que
maquinação, naquela mente perversa? – cismava...Intrigado, Manuel
Maria não dedicou, porém, mais que uns breves segundos à qestão do automóvel e
já que ali estava era ir em frente e despachar-se o mais rapido possível das razões
urgentes , que o traziam à Casa Grande. A Revolução estava nas ruas de Lisboa e
outras cidades e não seria o “mando” de Federico Amásio, nem o afecto das duas
mulheres, que o amavam, como se ambas, mãe de Manuel Maria fossem, quem o iriam
reter.
O
velho chauffer mal arrancou com o automóvel, começou a despejar as notícias e
acontecimentos trágicos dos últimos dias, o Senhor da
Casa Grande faleceu e está
toda a gente à espera na Igreja a para o funeral – uma tisteza! Ainda se, ao
menos. tivesse sido uma morte natural era lá com Deus e suas contas, que bem
sabemos não seriam poucas, mas morrer assim, arrstado, com o rosto desfeito, irreconhecível,
um monte de carne e ossos, como se peça de açogue, E, olhando de soslaio Manuel
Maria em busca do efeito da suas palavras, perante a estupefação
do jovem, o zeloso mensageiro, prosseguiu a narrativa, conferindo à voz
tonalidades de tragico-cómicas Sua Senhoria era doido por cavalos, bem o sabiamos todos –
acentuava – e acabara
de comprarm um potro loução, fino e luzidio, como a seda, mas mais bravo que um
toiro desembestado, Nâo faltou quem tivesse o cuidado de avisar Sua Senhoria
que o garrano era má rês que não deixava passar a mão pelo lombo ,quanto mais
colocar os arreios. Foram necessários três homens valentes para colocar o selim,
Sua Senhoria teimava em ser ele próprio a desbastar o animal e ordenou a dois
homens para segurarem o cavalo pela barbela, enquanto um terceiro homem
procurava aparelhar o animal, que mal sentia o selim sobre o lombo saltava em
duas piruetas e lá iam os aprechos pelos ares, uma, duas, varias vezes, até o
animal parece ter acalmado e finalmente
ser possivel apresentar a Sua Senhoria, o potro rebelde para primeira lição.
Enfim.
o cavalo seguro, agora, apenas pelas rédeas, fez meia duzia de piruetas, que Federico
Amásio aguentou com perícia, dando a ideia que sim senhor, tínhamos cavalo e cavaleiro.
Federico Amásio sorria, Mas – vão lá conhcer-se os caprichos e melindres de um
cavalinho loução, de pelo fino e luzidio como seda?!..Mandava o bom senso, que
o cavaleiro se respaldasse na ajuda dos seus empregados para, com maior
segurança, poder montar. Mas Federico
Amásio, não. Toldado pela vaidade (e pelo alcool), mandou que toda a gente se afastasse,
formando um circulo, em volta do cavalo e e do cavaleiro, atento o pessoal a
qualquer auxilio. O cavalinho, seguro com mão firme nas rédeas , batia com as
patas no tereeiro, mostrando impaciência que Federico Amásio procurava dominar, com palavras dóceis e palmadas
carinhosas no pescoço e espádua e, quando lhe pareceu o momento oportuno, meteu
o pé no estribo e elevou perna
contr«aria, com em vista a ultrpassar a altura do animal e ficar instilado
no selim.
Se
era essa a intenção do cavaleiro, não era esse, porém, o interesse do cavalo. Dito
isso, no momento em que Federico Amásio, com o pé firme no estribo, eleva o
corpo, no nomento em que o cavaleiro
forma o salto, nesse momento decisivo, de destreza e arte, com o cavaleiro, a
“voar” sobre a garupa, para ficar sentado, com elegância, no selim, o cavalinho
arredio na iminência ser montado, solta um relincho lancinante, ergue-se, sobre as patas trazeiras e tomba sobre
o cavaleiro, que ficou, literalmente espalmado debaixo do cavalo, corpos de
cavalo e do cavaleiro a espernearem no chão, Federico Amásio a procurar
desenvencilhar-se do estribo que lhe predia o pé e o cavalinho solto das rédeas,
ergue-se num ápice, evita os homens que
lhe querem deitar mão e corre portão fora, levado, na corrida o corpo indefeso de
Federico Amásio, que com a perna presa no estribo e incapaz de se libertar, é arrastado
fatalmente pelo galope cego do cavalo, que, como um relâmpago, zarpou porta
fora, a correr a toda a brida, vencendo todos obstáculos, nessa corrida
endiabrada.Horas mais tarde, o cavalinho loução, fino e luzidio como seda, foi
encontrado à sombra de um carvalho, calmo e dócil, com os restos do cadáver de
Federico Amásio, membros e corpo da dependurado do selim e o crâneo partido, expelindo
pela chaga aberta pedaços massa encefálica.
O
velho chauffer, suspende por uns segundos a minuciosa descrição e, olhando de
soslaio o jovem Manuel Maria eu sei que há gente que não acredita, mas para mim esta
tragédia foi obra do Diabo,
Manuel
Maria não teve tempo para replicar. Tinham chegado...
No
adro da Igreja, pequenos grupos falavam em voz baixa, Alguns homens tiraram o
chapéu à passagem de Manuel Maria que
mal dava por conta. Todo o seu ser vibrava na evocação da criança enfermiça, a
esconder de vergonha o rosto no colo de duas mulheres, que ambas o amavm, como
se ambas sua mãe fossem e um homem, de mãos grandes, tão grandes que vão da Terra
ao Cèu, um homem ajoelhado frente a outro homem. a pedir perdão... Mas a pedir perdão de quê, meu Deus?
se o homem que pedia perdão, apenas desejava um pouco de dignidade, trabalho,
que mãos e corpo para trabalhar tinha ele para sustentar a familia. Com essas memórias a arderem por dentro com
ferro em brasa, Manuel Maria entrou na Igreja...
Por essa hora, no quartel do Carmo, em Lisboa, negociava-se a destituição de Macelo
Caetano, com cravos vermelhos na rua e o Povo em festa – Fscismo Nunca Mais!...
Manuel
Veiga
1 comentário:
Amigo Manuel Veiga
Esta "Carta que nunca te escreverei" tem aqui um
desenvolvimento digno de nota.
A morte do Senhor da Casa Grande, Federico Amásio,
é marcante nesta trama pois ficamos já a magicar
no que virá a seguir.
Devo dizer-lhe que adorei este texto, um dos seus
melhores neste romance. Tem um ritmo que quase
causa ansiedade quando o chauffeur nos dá conta
da tragédia que ceifa a vida desse personagem.
O autor esmerou-se tanto na caracterização da sua
personalidade como quando decidiu pô-lo fora de
cena.
Abraço
Olinda
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