segunda-feira, maio 22, 2023

A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI...

 

Manuel Maria não conhecia, completamente, de ciência certa, as razões da urgência por que for convocado. Não seria por motivo do funeral, uma vez que existia, em vida, entre os dois uma profunda aversão e, a última coisa que o senhor da Casa Grande, agora defunto, desejaria, era que sua passagem para outro mundo fosse presenciada pelo “zorro”, como sempre que se referia a Manuel Maria era designado, num misto de desprezo e arrogância. Não seria, pois, o funeral a razão efectiva da sua presença naquele momento, em Terras do Demo, mas nas razões especialíssimas, que a Camillinha que o amava como se sua mãe verdadeira fosse, lhe iria revelar, logo que se despedissem das poucas pessoas que restavam do funeral,~e mal entrassem no velho casarão. que os aguardava, com Manuel Maria a fervilhar de memórias

Manuel Maria foi desterrado para Lisboa, fundamentalmente. por uma razão prática, isto é, “longe da vista, longe do coração” e, assim, deixaria de ser um empecilho, a tropeçar permanentemente com o Senhor da Casa Grande. Porém, do ponto de vista das duas dedicadas mulheres, que o amavam. como se ambas sua mãe fossem, a partida do jovem para o internato escolar, em Lisboa, representava  a emancipação do jovem, para esferas mais elevadas de formação – e, “assim Deus o ajude” - poderá até prosseguir os estudos e singrar na carreira eclesiástica, para a glória de Deus e felicidade das duas Mulheres, que ambas o amavam como filho, ficando descansadas quanto ao seu futuro, já que a vivência de uma grande cidade, como Lisboa, ou retiraria da mediocridade de apenas saber “ler, escrever e contar” e a circunstância de passar a viver numa grande cidade lhe permitiria aprender defender-se das armadilhas da vida. Quer dizer, são os grandes espaços que fazem as grandes árvores. E também os grandes homens.

Manuel Maria, cedo do compreendeu ser esse o seu destino e foi com resignação que aceitou a decisão que, em seu nome, fora tomada pelas duas mulheres; apenas a saudade constituía uma nuvem a enegrecer os seus pensamentos, pois ficaria sem o afeto cotidiano, que constituía um bálsamo a dulcificar sua solidão. Porém, não ignorava quanto o Senhor da Casa Grande o desejava da porta para fora e, nesse contexto, crescia o seu próprio o desígnio de abandonar aquela casa.

Assim, pois, Manuel Maria, no seu jeito de ruminar factos e acontecimentos da sua vida, a que, de uma forma ou outra, ficou preso, quer por lhe serem gratificantes, ou demais penosos para poder esquecer. Seguia pois Manuel Maria, ajustando as suas contas nesse mergulho do passado,  na justa medida em que seus olhos passavam as paisagens e lugares da sua meninice, com as duas mulheres que o amavam como filho de ambas fosse, ele ao do condutor. elas no banco traseiro do automóvel, também elas em silêncio mergulhadas nos seus pensamentos, cada uma, por certo. com diferentes precupações, face à nova realidade, ditada pela morte de Federico Amásio.

Finalmente, os portões da Casa Grande abriram-se à passagem do automóvel e Manuel Maria, o primeiro a sair da viatura, abriu a porta às duas Mulheres, que o amavam como se filho de ambos fosse, primeiro a Camillinha que o abraçou demoradamente. não contendo uma lágrima furtiva e abraçando a Violante depois com o outro braço, assim ficaram os três abraçados como se fossem um só, durante alguns minutos até que o rapaz se soltou do abraço colectivo e beijou na face ambas as mulheres e, para quebrar é comoção que os invadia, soltou, num sorriso traquina  Vocês, as duas, sois as mulheres da minha vida…”, que teve o mérito de fazer sorrir as duas mulheres e desconstruir as emoções e as fadigas do dia.

E, assim, mais libertos da emoção de estarem juntos, em plena liberdade sem os olhos expiados de Frederico Amásio agora defunto e para todo o sempre encerrado no seu túmulo, no dia em que, por todo o País estalava a Revolução e a primavera floria no coração do Povo.

Manuel Veiga

 

 

3 comentários:

Maria João Brito de Sousa disse...

um forte abraço, Manuel!

Elvira Carvalho disse...

Ausente durante duas semana em tratamento aos olhos estou de volta mas ainda não consigo ler textos muito grandes.
Abraço e saúde

Olinda Melo disse...


Revolução que também estala para esses três personagens
que merecem viver as suas vidas em plenitude.

E nós, aqui, desejando saber quem não escreveria a tal
"Carta..." e a quem. Um segredo que o digníssimo Escrevente
guarda a sete chaves. Mas que será desvendado, disso tenho
quase a certeza. :)

Um abraço
Olinda

ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...