José Augusto Esquerdino era um individuo valente, com provas dadas, ao
longo da sua vida de resistente, um daqueles personagens que se impõem pela
grandeza de caráter e pela confiança que inspiram e pela autenticidade com que pautam o seu comportamento.
Nas duras batalhas da clandestinidade nunca se negou a qualquer missão, por maiores
que fossem os obstáculos ou arriscados objetivos da luta. Os seus camaradas
confiavam nele e na sua acrisolada dedicação à causa da libertação do povo, traços
de carácter que nele eram fecundamente naturais, pois que criado e educado com solicitude
e apoio de seus camaradas depois de abandonar, para sempre, o lugar que o viu nascer,
vivendo, digamos assim, desde tenra idade, no seio da classe operária, e tendo
absorvido a sua ideologia transformadora, toda a sua energia se concentrava instintivamente
no combate a todas as formas de opressão e exploração. Não há porém, homens
perfeitos. E aquilo que são qualidades, noutras circunstâncias, em vez de
qualidades, poderão apresentarem-se, como características menos positivas.
Assim também José Augusto Esquerdinho. Em boa verdade, fora do seu meio era um bicho do mato que nunca foi capaz de superar a circunstâncias de ser um aldeão, nascido em Terras do Demo, um obscuro lugar, onde quem mandava era o senhor da Casa Grande, Frederico Amãsio, ele próprio mais boçal e tosco que qualquer um dos trabalhadores das suas vastas propriedades. Um meio soturno portanto, com o negro pão da fome e a ignorância como determinantes sociais e o caceteiro, senhor da Casa Grande, a ditar a sua vontade, como expressão e força de lei nos seus domínios e na vasta região, onde exercia a sua reacionária influência.
Pois bem, José Augusto Esquerdino em sua revolta contra as injustiças e a humilhação pública do pai, seu herói e seu modelo, com a sua fuga – dizíamos – com a sua fuga para nunca mais voltar (“pedir perdão de quê, meu Deus!...”) e a sobrevivência e a formação cívica e cultural no querseio da classe operária, e o mais por que passou, designadamente, as prisões e torturas, nunca conseguiu libertar-se completamente, do odor da terra que o perseguia e das bravias fragas, por entre quais crescia o centeio e o trabalho rude dos homens, que trazia agarrados a pele, como uma praga.~.Em consequência, José Augusto Esquerdino (“homem é ele e a sua circunstância”) trazia com ele, sem disso se dar conta, algumas marcas de caráter, típicas do meio rural onde crescera, deixando sobressair uma exagerada timidez que saltava à vista até para o observador menos atento e lhe conferia um porte esquivo e desconfiado, como se permanentemente estivesse a colocar à distância os seus interlocutores, o que, naturalmente era um incómodo para si próprio e os seus amigos que, por vezes, se sentiam constrangidos e preocupados, pois tais características de personalidade eram por demasiado notadas e, por isso, mais vulnerável, à possibilidade deteção pela policia política. No entanto, os jovens consideravam-no um verdadeiro herói da resistência ao fascismo. As prisões e maus tratos sofridos por açção da polícia política, davam-lhe uma auréola de herói que muitos jovens gostariam de imitar, designadamente, o grupinho da avenida de Roma, que Manuel Maria e o seu amigo Quim Remédios, que ativamente frequentavam, “em tempos de borbulhas e revoluções de papel".
Manuel Maria, já se sabe, tinha verdadeira admiração por José Augusto Esquerdino e uma certa vaidade, por a história da sua luta, ter começado verdadeiramente, em Terras do Demo, com sua revolta contra a humilhação do pai ( “um homem nunca deve ajoelhar perante outro homem ”) história que passou a correr de mão em mão, cada um contado à sua maneira, porém a verdadeira “história” de José Augusto Esquerdino, apenas os seus camaradas e amigos mais próximos que sempre o apoiaram e o formaram e introduziram na luta política, quer dizer, a revolta e o abandono da família e a terra que o viu nascer, deixando para trás todo um Mundo, que era seu, apenas ganha densidade e se torna exemplar, na medida em que seu protagonista ganha consciência social e, perante as injustiças, escolhe o caminho mais difícil - o caminho da libertação do s explorados e ofendidos.
Assim sentenciava Manuel Maria para si próprio, num daqueles solilóquios em que era fértil e que, como que em transe, caía absorto, numa viagem em que percorria todos os meandros da transfiguração da realidade, que ele, mais que ninguém, sabia ser, muitas vezes, a encenacáo da sua própria vontade Nesta perspectiva, quanto mais Manuel vadmirava José Augusto, maior era a urgência da resposta pergunta “que fazia ali a a Cléo ”pois que, nem de longe, nem de perto, a rapariga tinha de estofo político ou profisso ºque a recomendasse como colaboradora direta do Presidente da Câmar. Que havia ali, naquela relação improvável, uma atração sentimental, porventura de um só sentido, cheirava à distância. A Cléo que em tempo de tertúlias e “todos os maios” passou com distinção o tirocínio de “intelectual monta-cargas” na seleta tertúlia, em que pontificava uma “semiótica criaturinha”. careca, de pernas curtas e dilatado ventre, que mais parecia um aranhiço, a quem a zelosa Cléo, entre outras delicadezas e tarefas, tais como, carregar montanhas de livros e jornais se esmerava a sacudir-lhe os grãozinhos de caspa ombros da criatura semiótica, Ora não consta que José Augusto Esquerdino sofresse de semelhante maleita, e como tal, não se compreendi a este espaço sugestão que levoa o que é que estaria ali a fazer a como secretária pessoal, não ou adjunta ou chefe de gabinete, fossem lá as tarefas que fossem , pois quem a conhecesse saberia que a Cléo era uma verdadeira inutilidade. Enfim, conforme ela gostava de afirmar “não prestava”. Nem na cama, nem em coisa nenhuma, sentencia Manuel Maria, por interposto “escrevente”
Manuel Veiga…
1 comentário:
Oh! A Cléo há-de ter as suas qualidades.
Vou esperar para ver se Manuel Maria, através do "escrevente" não lhe arranjará uma missão que se coadune com o momento revolucionário que se vivia então.
O Esquerdino, com tantos traumas de infância, muito tem feito para se valorizar a si próprio bem como aos ideais que chamou para si, defendendo quem mais precisa.
E aqui estou ansiosa por saber a quem é que essa tal "Carta" não será escrita. Sem pressão, claro :)
Um abraço, Manuel Veiga.
Olinda
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