As coisas como estavam não podiam acontecer. Aquilo em boa verdade era uma bagunça
interminável, onde ninguém se entendia, tudo misturado, numa anarquia total, assuntos
tratados com assuntos pendentes, papeis diversos metidos em pastas, sem ordem ou
critério, como se fosse um amontoado de
ineficiências ou festival da celebração do caos.
Manuel Maria ia aos arames com tal situação que em sua perspectiva, dava uma péssima imagem do novo poder. fundado no momento revolucionário militar e legitimado pela população, em grandes plenários por todo o concelho, que sufragaram o ato fundador e conferiam legitimidade aos novos os eleitos para as câmaras municipais, como é o caso dee José Augusto a presidir a comissão administrativa de um grande município, da área metropolitana de Lisboa. Mas as coisas não iam bem no entender de Manuel Maria, que levava muito a peito, não apenas as suas propostas de uma “arquitetura para o povo”, mas também tudo o que à administração do município dizia respeito, pois que, para o bem e para o mal, o que afeta um afetaria todos e a imagem de novo poder local democrático a sair afetada, com mau desempenho que Manuel Maria dizia verificar-se no gabinete de apoio do Presidente da Câmara, cuja responsabilidade era da preciosíssima Cléo.
Hesitou algum tempo, mas finalmente decidiu-se! Manuel Maria falaria ao Presidente, José Augusto sobre a má imagem que estava a dar o funcionamento do seu próprio gabinete de apoio, que projetava, junto dos trabalhadores e dos próprios munícipes, uma imagem de ineficiência, que era motivo de chacota e crítica, por motivos que infelizmente não podiam ser negados, passe embora o exagero das críticas.
Por outro lado, Manuel Maria, de passagem, procuraria, discretamente, compreender aquela cumplicidade improvável entre o contido e ascético José Augusto Esquerdino, profundamente envolvido na política e na resistência ao fascismo, desde a adolescência e a glamorosa Cléo, uma intelectual pequeno- burguesa, a comportar-se como tal, e a mudar de direção, conforme os ventos dominantes. E, assim, encontrar a resposta a obsessiva pergunta que tanto o intrigava que fazia ali a Cléo”, ou, talvez, com mais propriedade “como chegou até ali a Cléo”, isto é, como foi possível Cléo chegar a José Augusto, conquistar a sua confiança e ser nomeada a responsável do seu gabinete.
Deve confessar o escrevente que outra coisa não quer que não seja cumprir sua, sina, agrilhoado aos remos deste escrita redonda que se diz literária e prosseguir viagem, de forma a levar a bom porto a barca em que, temerário, um dia teve a ousadia de embarcar e assim, neste contexto, deve o escrevente , pessoa honrada e escrupulosa, alertar os leitores (se leitores houver) que não sabe ao certo por que ordem devem ser consideradas as inquietações de Manuel Maria, se evocar o “caso burocrático”para chegar ao caso Cléo e procurar decifrar o mistério da sua presença na Câmara no municipal e a sua intimidade com o Presidente ou, pelo contrário, a Cléo seria mero pretexto para Manuel Maria, envolvido no programa“uma a arquitetura para o povo” levar mais longe as suas própias ambições, respaldado como estava na cumplicidade e no à vontade que tinha com o Presidente, devido ao facto de serem conterrâneos, nascidos em Terras do Demo,(circunstância de que nunca falavam) ascender mais uns degraus na consideração de José Augusto Esquerdino e, assim, poder vergar a empertigada Cléo e fazê-la regressar ao seu “redil”. De qualquer maneira o objeto das preocupações de Manuel Maria era sempre o mesmo, quer dizer , a Cléo que estava a tornar-se uma obsessão, variando apenas, num caso e no outro, o tipo de abordagem e o método de levar a água a seu moinho!... Ora, como bem se sabe,”o Homem é o Método (e o estilo) !...”
Assim, um fim de tarde, depois dos serviços camarários encerrados, Manuel Maria procurou José August0, Presidente da Comissão Administrativa, que, galhofeiro, com sempre se tratava de Manuel Maria atirou-lhe de imediato “Então meu rapaz, o que traz por cá? Como vai o teu programa de “arquitetura para o povo”? E exagerando, “vens convidar-me para a inauguração do primeiro bairro? José Augusto um sorriso rasgado, bem sabendo ele quanto era caro a Manuel Maria um programa de habitação dirigido às classes trabalhadoras e quanto “lirismo” havia nas suas propostas, face à urgência que a realidade impunha, ou seja, um programa expedito que resolvesse os problemas mais gritantes e imediatos à margem “rodriguinhos” estéticos, que poderiam teria lugar mais tarde, quando no país, todos os problemas básicos do povo estivessem resolvidos. E Manuel Maria, compondo a sua mais solene pose “Não! Desta vez não vou embaraçar-te com discussões lírico-filosóficas a arquitetura! Desta vez falaremos de ti, ou melhor dito, falaremos do funcionamento do teu gabinete de apoio”... E José Augusto ainda divertido, mas cerrando as sobrancelhas. Mas que é isto? Que tens tu a ver com o funcionamento do meu gabinete...ora, ora.. E Manuel Maria, num sorriso amarelo depende dos pontos de vista, diretamente não tenho nada a ver como funciona do gabinete de apoio do Presidente, no entanto, ambos estamos ligados por sólidos vínculos da revolução e aquilo que afeta um, afecta a todos e é, neste quadro, que julgo ser meu dever chamar-te a atenção que o teu gabinete está a projectar para o exterior uma imagem pouco favorável do novo poder local… José Augusto apesar da estocada de Manuel Maria, continuou no seu tom descontraído “bem bem, meu rapaz, tens que ser claro e honesto comigo, senão não chegamos a lado nenhum. ou julgas tu que me enganas? Mais que ineficiência do meu gabinete estás tu mais preocupado com a sua responsável, não é verdade? Ou julgavas tu que não conhecia a vossa história da famosíssima tertúlia literária? E agora não perdoas a Cléo a circunstância de que não de estar a ligar ele tanto quanto tu esperavas e desejava ora fazer queixinhas por despeito, não é bonito, pá!... . E José Augusto continuou o fio do seu discurso sem dar margem a Manuel Maria poder replicar “ou pensas tu que eu não sei tudo o que se passa? Mas numa coisa estás certo, gargalhou José Augusto - e numa alusão que parece ter corrido muitas esquinas “a Cléo “não presta” para chefiar o meu gabinete - é demasiado preciosa… terminou José Augusto numa gargalhada!..
Manuel
Veiga
4 comentários:
Que bom que voltaste a esta história que muito me agrada. Obrigada, Manuel e espero que estejam todos bem, especialmente na saúde. Um beijinho
Emilia
Que bom que voltaste a esta história que muito me agrada. Obrigada, Manuel e espero que estejam todos bem, especialmente na saúde. Um beijinho
Emilia
José Augusto Esquerdino mais idealista que Manuel Maria?
Deduzo que este quererá coisas mais concretas, uma "arquitectura
para o povo", obra que exigirá planeamento e investimento.
Mas também não deixa de deitar um olhar à sua volta e preocupar-se
com as funções de Cléo, que já conhece de outras situações.
A ver vamos digníssimo Escrevente. Gosto da sua prosa a que chama
"escrita redonda".
E aqui fico a aguardar umas quantas respostas...
Um abraço, Manuel Veiga.
Olinda
Temos aqui Manuel Maria em plena ação. a interferir a arquitetar uma nova sociedade, com base nas suas convicções.
Uma página de evidente relevo, caro Manuel.
Beijinhos.
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