terça-feira, novembro 28, 2023

A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI---

Aqui chegados, o escrevente, que não é uma pessoa sábia. mas um homem honesto hesita, por momentos e interroga-se em saber se, em nome da Literatura será legítimo revelar factos reais, ainda que trasvestidos noutras cores, não apenas “invenção” dos personagens, mas também na distância que vai entre a vivência dos factosà respectiva narrativa pois quem conta um conto, sempre acrescenta um ponto e, apesar de acolhidos pelo discurso ficcional, os factos não deixam de ser verídicos e sujeitos a escrutínioa, pelo que pode muito bem acontecer que tais factos verídico-ficcionais  “desacreditem ” o seu autor ou, pelo contrário,pode dar-se o caso de os mesmos factos, sem perderem a sua natureza, elevarem-se às alturas de celebridade, pois bem sabemos que cada pessoa vê a realidade pelos olhos com que o Mundo o ensinou a ver.

Vêm estas descosidas palavras com o propósito de alertar os leitores (se leitores houver) para a singela circunstância de que o escrevente, se encontra, ocasionalmente, numa posição privilegiada , porquanto é suposto conhecer o devir da narrativa e o jogo dos personagens e sabe que, na senda do trio José Augusto, Manuel Maria e a Cléo ,há factos, não apenas verosímeis, mas também verídicos, nos quais se joga. porventura, o destino dos personagens e o desenlace desta narrativa, que se assume como literária. Deixemos portanto. Manuel Maria nas suas deambulações, pois que a coisa promete e sigamos. letra a letra os seus passos, certos de que o “rapaz” não irá defraudar os seus admiradores e admiradoras e a sua verve de escritor, com os ventos favoráveis, levará a bom porto a sua galera e, erguendo os remos da escrita, a que está acorrentado. há-de demonstrar a amigos e a outros menos amigos, que é bem capaz de fazer literatura, sem que a sua escrita tenha que evacuar a vida,

Prossigamos, portanto, os passos de Manuel Maria, que ele nos servirá de guia, nesta bruma de palavras mal cerzidas e escutemos as perplexidades da Cléo … “vá lá deixa-te de fantasias e conta a razão da urgência neste encontro. E a que propósito vem agora o José Augusto? insiste a Cléo, abandonando os braços de Manuel Maria para saltar para a banheira. Manuel Maria, depois dos momentos de prazer e lassidão, sentia-se bem-disposto e senhor da situação, meio a sorrir, “nisso é que tu estás enganada, o mandato José Augusto é para te fazer uma proposta irrecusável”. E exibindo uma candura artificial, “há quanto tempo não nos víamos, Cléo? E a rapariga impacientar-se “deixa-te de conversa de empatar tolos e diz-me qual a proposta de foste incumbido trazer-me e carregando a ironia “ uma vez que te prestas a servir de moço de recados”… e Manuel Maria abrindo o sorriso e a ironia “claro que não me importo de te trazer uma proposta irrecusável do José Augusto, pois, ao fim e ao cabo, serei o grande beneficiário. os vivos sinais de irritação da rapariga Manuel Maria, com toda a naturalidade, num registo de voz neutro “o José Augusto, é Augusto é de opinião que nós os três podíamos ser amantes”…  e interrompeu a sua fala para ficar atento à reação da Léo, que após um breve um silêncio, pergunta “e tu, que pensas de semelhante proposta? Ou foi o diabinho que em ti mora a inventar tal bojarda?  E Manuel Maria a esfregar as costas da rapariga e beijando-lhe as omoplatas “não penso coisa nenhuma, sinto que te queo muito e nunca mais te quero perder, muito si, como vês. Foste tu quem se afastou, dependurada no teu”semiótico” (que é feito dele?) e nada sei dos vínculos que te prende José Augusto, sei apenas que se conheceram em Paris... ” E, então a rapariga desatou num choro compulsivo, falando por entre soluços  tudo isto me faz sofrer, olha para o meu estado, estou num farrapo, não falo, não convivo com ninguém e, neste momento, não estou com cabeça para dizer seja o que for… mesmo aos amigos do coração, como tu és… vai-te embora, isto passa, prefiro estar sozinha neste momento …

E, então, Manuel Maria envolveu Cléo nos braços, embalando-a como uma se faz uma criança e, carinhoso, limpa-lhe as lágrimas, com palavras de carinho “assim. assim, deixa-te ficar assim, uma menina pequenina nos meus braços e chora, chora, deixa cair as lágrimas todas… limpam a alma… E beijando-a nos olhos “afinal as mulheres também choram… como os homens…”- disse num tom jocoso, que teve o condão de fazer sorrir Cléo…


Manuel Veiga


1 comentário:

Olinda Melo disse...

Confesso-me admiradora de Manuel Maria.
Resta saber como irá ele resolver a
proposta de José Augusto que me "saiu
melhor que a encomenda".
Também temos a Cléo que, de momento,
mostra-se algo chocada com a situação.
Mesmo de posse de informações verídico-
ficcionais, veremos também como é que
o Escrevente cerzirá esse imbróglio.

Vou subir para o episódio seguinte que
já está publicado.

Abraço
Olinda

ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...