segunda-feira, junho 27, 2022

OS DEDOS DA SOLIDÃO

 Na lisa permanência do tempo ressaltam

De quando em quando, pequeníssimas particulas

Frações mínimas – um relance de um rosto

Que se abre à nossa passagem e que saído da multidão

Parece querer abraçar-nos – ou uma outra notícia sem memória

Caída do cesto das notícias espessas

O do comentário erudito que nos deslumbra.

Ou, então sobra sempre o poema que um dia

Havemos de escrever e nunca mais vêm à claridade.

E, no entanto, haverá talvez uma mão clandestina

E uns centímetros aveludados da pele nua – uma carícia

Que fica tatuada na polpa dos dedos. E por aí permanece…

 

Porventura, um amor irreal coberto de palavras

Inventadas, onde o fogo abrasa e os dias  

Cristalizam em pequenas doses de tempo

Fluido – entre a quimera e a dor mordente –

Uma fina mágoa a desaguar na avalanche da vida

Onde se joga o “homo faber” e se perde e ganha a liberdade

Nas minudências festivas e no fervor das grilhetas

 

Assim caminhamos, frágeis e vulneráveis

Por entre a multidão que nos é estranha

Apressados e sem tempo, que o tempo alienamos

E dele colhemos apenas a margem e a miragem

Presos uns aos outros pelos longos dedos da solidão


Manuel Veiga

08.01.2022

 

3 comentários:

Maria João Brito de Sousa disse...

Esplêndido, Manuel!

Um abraço!

lis disse...

E pensar que são essas mínimas frações que fazem
nosso dia se encher de esperança. Ou apenas esperar
a solidão se esvair entre os dedos, assim ...
'entre a quimera e a dor mordente'.
Lindo, mVeiga .
Meu abraço

Maria Rodrigues disse...

São tantas as vezes que nos sentimos sós mesmo rodeados de outras pessoas.
Profundo, sentido e maravilhoso poema.
Um grande abraço

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