A Cléo, que vimos a última vez a bracejar, num plenário tumultuoso, revelando total incapacidade de aguentar os protestos e os assobios, numa sessão que deveria ser de sensibilização sobre matéria de grande importância, como era dotar as construções clandestinas, com redes de água e saneamento, foi salva do “furor” das massas, pela entrada oportuna de José Augusto Esquerdinho, levando a tiracolo o jovem arquiteto Manuel Maria de quem “haveria muito a esperar”, no dizer do Presidente, que, dando-se conta do embaraço da esforçada moça e de que o plenário que se desejava democrático se estava a transformar numa balbúrdia, saltou para o palco, arrebatou o microfone das mãos da perturbadíssima Cléo e, com autoridade revolucionária e a legitimidade política de que estava investido e, sobretudo, com seu carisma e palavra certeira, acalmou os contestatários e “salvou” a Cléo, com seu chic revolucionário, que daí em diante, até final da reunião, se manteve queda e muda, numa pose de dignidade ofendida, qual “Passionária” mimada.
Manuel Maria recolhia, com um sorriso calado, o que se passava à sua volta, seguindo, ausente. as palavras do Presidente da Câmara, pois a verdade é que o foco da sua atenção estava na pergunta, que a si próprio formula, pela obsessão de saber o que faria Cléo de jeans justos e pernas elegantes, que em tempos outros, tempos de cerejas e tertúlias literárias, num chique desmazelado e uns jeans a desfiarem-se nos joelhos e ancas, enfim, uma intelectual acabadinha de chegar de Paris e de “todos os Maios”, que girava em torno do seu patrono e mestre literário, “uma semiótica figurinha” uns bons anos mais velho, de pernas curtas e meia dúzia de pêlos ariscos no alto do seu “poderoso” crânio, para quem Lacan, Derrida, Althusser, Foucault, Barthes e “tutti quanti” não tinham para ele segredos e que proclamava, do alto da sua sapiência, que “o marxismo era coisa do passado”, a quem a Cléo, em admirável devoção, transportava os livros, lia os jornais, tecia rasgados elogios, bebia o elixir das suas sábias palavras, afagava os pêlos espetados no alto do crânio, sacudia-lhe a caspa dos ombros e, sabe-se lá o que mais não lhe sacudiria!... Uma talentosa e versátil admiradora da semiótica criatura que, que por seu lado, não se cansava de elogiar o enorme talento da escritora Cléo. Um notável casal de intelectuais, portanto, a pontificar a distinta tertúlia que Manuel Maria frequentava, num tempo de publicidades e outras iniciações, onde fora introduzido por insistência de Dona Ludovina, uma distinta balzaquiana, divorciada, de opulentas e rijas carnes, “cujo talento literário de Manuel Maria estava em condições de poder testemunhar.”
Este convívio do passado não muito distante, levava o jovem arquiteto a esperar por parte da Cléo, um acolhimento, senão carinhoso, pelo menos suficientemente amistoso, de forma a poder colher a informação que tanto o intrigava “que fazia ali a Cléo?, tanto mais que Manuel Maria, nesse tempo de tertúlias e cerejas, havia prestado um serviço de que deveria ser agradecida toda a vida, não por gratidão, que o prazer não se agradece, mas pela contribuição que o jovem Manuel Maria quando, terminado que fora o estágio com a sôfrega balzaquiana, opulenta de carnes. Dona Ludovina, o deslumbrado Manuel Maria não tivesse sentido a atração pelo corpo desleixado mas elegante da rapariga, “que não prestava na cama”, como alegremente proclamava quando assediada: “comigo não vale a pena tentar, não presto na cama! É tempo perdido”. Porém, arquiteto Manuel Maria não se intimidou e ávido de fazer demonstração dos conhecimentos adquiridos com Ludovina e, como a ocasião faz o ladrão “patati patatá, argumento de uma lógica e inigualável, insistia insistia Manuel Maria sempre que ocasião se proporcionava. “Não há com.o experimentar”! E tantas vezes o argumento foi deduzido que convenceu asséptica Cléo a… “experimentar” !
Nas
primeiras impressões, Manuel Maria esteve tentado a dar-lhe razão e reconhecer
que efetivamente a Cléo “não prestava na
cama”, pois, esgotados todos os recursos e manobras que conhecia e o
levaram a fazer com distinção o tirocínio com Dona Ludovina. não conseguiu
arrancar-lhe um suspiro ou um gemido, ou um gesto ou uma pose, que de facto, pudessem
contrariar a tese assumida de que “não
prestava na cama”. E, Manuel Maria encolhe os ombros, perante a evocação
desses dias de um tempo de cerejas e iniciações várias e saboreia, divertido, o
dizer do poeta de que “la experiência és
la Madre de todolas as cosas...” pois que a Cléo, gradualmente, na medida
em que quanto mais praticava, com todo o mérito, insistência e prazer do jovem
Manuel Maria, mais satisfatórias eram as suas performances (na cama), o que não
é coisa de somenos, pois as performances de Cléo mereceram excelente classificação
do expert Quim Remédios que, como sabem
os leitores (se leitores houver), em sua escatologia de valores, “ Mulheres quanto mais burras, melhores na
cama!...” Ora digam-me se não devia ser motivo de reconhecimento de parte
da Cléo tão justa e saborosa classificação vinda de quem vinha, o “expert em
mulherio”, Quim Remédios, que para todas as doenças tinha “remédio”: “Oh pá, f... que isso passa!...” Na
verdade, o Quim Remédios era um “prático” – f…dia e respirava saúde! Lembrava
Manuel Maria, com um sorriso tolerante e compreensivo estas coloridas cenas de
um tempo de cerejas e borbulhas, em que a Cléo foi protagonista, enquanto
regressavam aos Paços do concelho, com o Presidente ao volante do velho Jeep, e
a Cléo sentada a seu lado e Manuel Maria no banco traseiro, jurando a si mesmo
que é Cléo, apesar da frieza do acolhimento, não demoraria uma semana, sem lhe
confessar o que, vestida com elegantes jeans “vinha a fazer?...”, quer dizer,
em que é que o seu alto gabarito
intelectual (salvo seja!...) e as suas saborosas qualidades em boa hora
reveladas, contra todas as aparências, poderiam ser úteis na democratização de um
grande município da Área Metropolitana de Lisboa.
Manuel Veiga
2 comentários:
Uma linda publicação que gostei de ler.
Uma noite feliz
Pois, aguardemos então os esclarecimentos da Cléo.
Lembro-me dela, de algumas passagens destes belos
escritos. E já estou curiosa sobre o que ela poderá
dizer ao Manuel Maria.
Abraço, Manuel Veiga.
Olinda
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