segunda-feira, novembro 20, 2023

A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI...

 


A Cléo estava a mostrar-se difícil. Por muitas solicitações que Manuel Maria lhe fazia para se encontrarem, a Cléo tinha sempre um motivo para se furtar ao encontro tão desejado. Alegava falta de tempo e outras desculpas que uma mulher sabe encontrar, com naturalidade, para evitar incómodos.  Manuel Maria é que não se conformava. “E se a vida é luta vamos à luta”, dizia ele para os seus botões, cada vez mais determinado em encontrar resposta às perguntas que obcessivamente o espicaçavam. enfim, encontrar razões para as perguntas que trazia engatilhadas, desde o primeiro momento, em que, depois de anos sem dela saber notícias, a foi encontrar no lugar mais improvável, ou seja, no alto de um palco improvisado, envergando um par de jeans que lhe salientavam as formas num chic revolucionário muito atrativo, tentando, desesperadamente. dominar um plenário de moradores, de forma que a pergunta surge natural “o que faz ali a Cléo“, dado que Manuel Maria não estava muito convencido do fervor revolucionário da jovem Cléo que em tempo de cerejas a conhecera a sacudir a caspa dos ombros de um semiótico em que andava dependurada, fazendo ambos um casal de “intelectuais”, muito conhecido, porquanto, em França. em maios de outras eras. tiveram na ponta dos dedos a Revolução proletária e que, então, nesse tempo narrado, na selecta tertúlia que animavam, preconizavam então a morte de Marx e dos marxistas. Estaria portanto, a Cléo assim tão radicalmente mudada? E o semiótico, que seria feito dele? Aquela rapariga era um mundo de surpresas e qualidades, algumas das quais, desconhecidas por ela própria “não presto na cama, não vale a pena tentares” e que Manuel Maria, fazendo jus ao tirocínio com Dona Ludovina, acabou, com grande empenho e dedicação, por demonstrar que a Cléo era uma mulher competentíssima! Que o diga o seu amigo Quim Remédios, médico, expert em confortar donzelas que padeciam do mal da virgindade…ou de mulheres mal amadas.

Vemos agora, passados anos, a omnipresente Cléo, a somar novos motivos de curiosidade e interesse, colaboradora insubstituível de José Augusto Esquerdino, Presidente da Comissão Administrativa da área metropolitana de Lisboa, a quem a rapariga concedia o mesmo desvelo que, em tempos outros, tempos de cerejas e borbulhas, fora dedicado a um semiótico, de pernas curtas, que mais parecia aranhiço, e, agora colocado ao serviço do município. em breve se tornou “intocável”, por autoridade e decisão de José Augusto. E da autoridade de José Augusto se fez valer Manuel Maria para convencr Cléo vir ao eu encontro, alegando que José Augusto o encarregara de um trabalho especial, de quê o depoimento da Cléo era peça fundamental E assim foi. Manuel Maria exibia um sorriso íntimo quando, tocou a campainha do apartamento da Cléo. Memórias antigas en presentes conjugavam-se no mesmo objetivo:  - conhecer  o que fazia ali Cléo” e as suas motivações, tanto mais que, após a última conversa com José Augusto, a estória de Cléo vinha embrulhada numa boa dose de “picante” que a tornar ainda mais atrativa a sua missão, mas que ele próprio, Manuel Maria, precisava de avaliar com cuidado, resguardando-se de qualquer palavra ou ato irrefletido, pois não queria afastar a presa, a mostrar-se esquiva.

Foi, pois, nesta disposição que Manuel Maria foi ao encontro da Cléo, e o recebeu com um sorriso aberto e um tanto ou quanto negligé que Manuel Maria interpretou com muito bum ons augúrios. “Entra, entra e fica à vontade, estava a tomar banho, volto nuns segundos”!... Diz a Cléo um tanto coquete E Manuel Maria já no interior do apartamento “Por favor, sem cerimónia”, replicou com um sorriso galhofeiro “não faças cerimónia, estás muito bem nessa toilette ” . sendo que é Cléo trazia apenas uma toalha de banho enrolado ao corpo. e ao passar por Manuel Maria demorou uns instantes colada ao corpo do rapaz e beija num beijo faminto e inesperado. Manuel Maria sorrindo seguia os seus passos a uma curta distância, saboreando o corpo da jovem que, entretanto, tinha deixado cair a toalha. E quando Manuel Maria a enlaça, sente o corpo da Cléo entregar-se e tombar amorosamente sobre o leito ainda quente.

Saciados os corpos, entre afagos e beijos, como quem apascenta um rebanho de prazeres tresmalhados, a Cléo, sempre imprevista, dispara então conta-me lá o que que tão urgente tens para me dizer? Manuel Maria, ainda com o corpo lasso e pensamento amolecido depois da refrega amorosa. por tanto tempo aguardada, responde completamente fora das preocupações de gestão do seu relacionamento com José Augusto e até mesmo do seu estremado projeto de uma arquitetura para o povo responde com uma carícia a aflorar a pele da rapariga e um beijo terno suspenso dos lábios “não te preocupas como assunto, teremos tempo falar nisso!...” E puxou novamente a rapariga para si... “Não, não tens que dizer agora estou estou a arder de curiosidade”… e Manuel Maria num sorriso “oh. oh, não quero que ardas de curiosidade, mas a arder de desejo por mim…”

 

Manuel Veiga

 

 

2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Gostei de ler
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Cumprimentos. Uma semana feliz.
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Poema: “ Confissão poética “
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Olinda Melo disse...

Olá, Manuel Veiga
Eis aqui um texto a recordar tempos de cerejas e borbulhas, mas também a recuperar um pouco o tempo perdido. Veremos como é que Manuel Maria irá abordar o assunto, isto é, das intenções da Cléo na cena revolucionária e, também, no que se refere a proposta de José Augusto Esquerdino.
Gostei muito.
Abraço
Olinda

ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...