quarta-feira, julho 02, 2025

COMO SE FORA UM RITO

 

COMO SE FORA RITO...

 

teus dedos açucenas em meu corpo aberto

e os olhos vendados. Como se fora rito

ou cerimonial secreto.  Sou levitação.

Agora meu corpo é algo místico a planar

Veludo de carícia e macieza da voz

 

Passagem de mãos em minha pele

Sede a abrir-se a novos mistérios

e a alastrar em murmúrio

que apenas tuas mãos conhecem

 

e, quando os dedos se enlaçam

em inocente jogo e expectante espera

e primaveril encantamento

solta-se então o percurso das águas

que enjeitas, embora sabendo

de teu desejo…

 

E sei então de ti pelo movimento

As pálpebras e pelo arfar dos seios

E teu doce sorriso, Cativo porém

De tresmalhados

Sentimento...


Manuel Veiga

 

domingo, junho 15, 2025

MESMO NÃO SENDO

 

Tudo na vida é perecível, Lydia.

E nós com ela. Repara que até o voo do milhafre

Se entardece.

Deixemos, pois, que a tarde tomb

E a noite seja. Que nos importa qu o amanhã

Amanheça sol. Ou que seja nevoeiro

Ou sombra.

 

Nem por isso deixarei

De sentir a suavidade de teu cabelo

Em minha face.

 

Nem de sorver o beijo

Que guardamos. Nem os ecos.

 

Colhamos o perfume, Lydia. Apenas.

E amaciemos o fervor (e o furor)

E não desejemos mais

Do que a vida quer…

 

E estejas onde estejas, ambos seremos

Mesmo não sendo…


Manuel Veiga

 

quarta-feira, maio 28, 2025

DESFAZER DA TENDA

 ...

 

Desfaz a Tenda dos Milagres, poeta

Pois que, a ti, te bastam os ecos

E o topo das montanhas

Que são vertigem…

 

E afasta este azul nítido

Tão líquido azul que magoa. E se perde

Lá ao fundo…E “o sonho do sonho” …

E a asa. E o golpe que por vezes assoma –

Verso que desponta no reverso

E inebria…

 

Esquece o beijo dos amantes.

E os dias de verão

E o declinar das horas

No teu velho relógio de pêndulo

Pois que este vinho perfumado

E este lastro antigo

É quanto te bastam

No cair da noite

Que se aproxima! 


Manuel Veiga



                    

domingo, maio 25, 2025

FLOR SANGUINEA


Na implosão de cravos fincam-se as raízes e a cor

Em bandeiras de luta – que os dias são ávidos

E o Futuro esgravata-se corpo a corpo

Nos trilhos e agruras do Presente.


E, neste tempo circular, mais pesado que chumbo,

Os muros são escombros a afirmar

O fracasso e a anunciar o estertor

De mitos poluídos.


E, no entanto, no arrepio dos dias uma memória

Perfumada. Uma pulsão e uma vertigem

A explodirem nos olhos


Que a Liberdade não tem métrica que a aprisione

Nem claustro, nem norma, nem mestres, nem barreiras

Que a detenham – fogo puro!


E ergue-se nas bocas, com seu nome de Igualdade,

Em apoteose de flor sanguínea tatuada

No corpo imaculado

Dos dias do Porvir.


Cristal aceso. Em noites de alvoroço

E no luzeiro das auroras.


Manuel Veiga


sábado, maio 10, 2025

TODOS OS RIOS SÃO MESMA SÊDE


São os deuses traiçoeiros em seu delírio

E as pátrias decidem as bandeiras

Como destino dos homens.


Em cada dor, porém, uma tempestade

E um rasgo de mãos acesas

Sem fronteiras.


Nada do que é humano respira sozinho

E os Povos não reconhecem oceanos

E todos os rios são a mesma sede

E crestados lábios.


E todas as fomes se somam

E todas as angústias são látego coletivo

E em cada luta há sempre um afago indefinido

E em cada muro um grito subterrâneo

Que explode em cada gesto

De dizê-lo.


Nada os deuses nos devem

Mas são os homens que se inventam

Em cada dádiva de amor rebelde

E liberdade…


E quando um Povo sofre (ou se liberta)

É toda a Humanidade!…


Manuel Veiga


sexta-feira, maio 02, 2025

METAMORFOSE(S)


Na suavidade da pele onde amarras e tabus

Se quebram. E todas as juras

E todas as palavras se abatem –

Lume ardido – e as salivas são incisões

Pictogramas na raiz do frémito.

E as línguas se dizem palato

No rubor dos murmúrios

E se esbanjam opulentas e vernáculas

Morfemas de lume a crepitar

Nos espasmos …


E os corpos já não corpos

Dança de signos e sintagmas

Bailado de licores e gestos

E pedestal e moeda viva


E morfema onde te digo líquida

E te reclamo métrica e partilha – verso e reverso

Da mesma fala 


E te digo padrão e síntese.

E resgate de todas

As memórias…


sábado, abril 12, 2025

MAGNÂNIMO O CANTO.....


Magnânimo o freixo e sua sombra

E os braços erguidos, em oração muda.


Magnânima a margem das ribeiras

E as cascatas no silêncio das montanhas.


Magnânimas as pontes que não deslassam

E as pedras que ficam pelos caminhos.


Magnânimo o toque das igrejas e os altares

No olhar compassivo dos incréus.


Magnânimo o voo das aves e a vertigem

E todos os prenúncios extraídos das entranhas


Magnânima a Lua e as noites de Agosto

E a bebedeira dos sentidos assim expostos


Magnânimo o ar que respiramos e o pão

Dos pobres. E a sede de todos os proscritos.


Magnânimas as almas piedosas e o gesto pio

Na forca dos condenados.


Magnânimo o dia de ontem e a gravidez do tempo

No coração dos homens.


Magnânimo o final da tarde e piar do mocho

E rouco cântico do poeta em sua humanidade.


Manuel Veiga


quarta-feira, março 26, 2025

ACRE LUCIDEZ DE CINZA...


Nego-me à estética do Horrível

E à música de Wagner, como se a cavalgada

Da Morte fosse enfeite a enquadrar o telejornal

Nauseabunda esteticização do Desastre

A celebrar o Espetáculo dos corpos e das casas

E as labaredas a lamberem os impassíveis olhos

Não refeitos ainda da voragem do Pânico …


Nego-me ao microfone em riste, qual inquirição judiciária

A invadir as bocas e a colher a baba das palavras

E a espremer a arrogância e a ignorar pormenor da Lágrima

E a dobra da Agonia – como viver ou morrer fossem

Noção escorreita perante a iminência da Morte….


Nego-me a doutas opiniões e ao grande Debate

E ao arroto da Sabedoria ao serviço da Ganância

A desenhar manobras e as invisíveis rotas

Do Lucro e permanente encenação do Mesmo…


Nego-me ao leilão das alvas consciências

A pingar  gorduras em fila na Banca e nos altos muros

Da Instituição. E nego-me aos caninos cibernantropos

A salivarem tweets e likes e rabinho eletrónico

A dar a dar e a babarem-se sem ao menos saberem

Que nada representam – pálida imitação dos Donos! –.

~

Nego-me ã incubação da Serpente

E a camisas negras e botas cardadas a latirem

Em qualquer praça de qualquer cidade do Mundo

Nego-me às insígneas da  morte, ao passo de ganso

E à Loucura de todos os Holocaustos…

Nego-me á dança dos ditadores – “chaplinescas” figuras 

Grandes, pequenas ou médias – a retalharem o Mundo

(quiçá o Universo) como se fossem coutadas próprias…

Nego-me às Santas Inquisições que flagelam

Os homens e rapinam os Povos. E lançam á fogueira

 Qualquer Sonho de Liberdade…


Nego-me também esta impúdica exasperação da Palavra

E da Dor, que sendo minha, é apenas Simulacro

E que não (me) redime, nem me salva

E, no entanto, teima - acre lucidez de cinza!...


Manuel Veiga

26.03,2025



domingo, janeiro 12, 2025

VONTADE DE POEMA


Abre-se o poeta à vontade de poema

e negam-se as palavras

Sobram porém duas

Pequenas pérolas

A iluminar

Moldura do rosto

E a tumescência de lábios…

E o vértice do decote

A derramarem-se

Como lago…

De proibidas

Águas…


~Manuel Veiga

COMO SE FORA UM RITO

  COMO SE FORA RITO...   teus dedos açucenas em meu corpo aberto e os olhos vendados. Como se fora rito ou cerimonial secreto.   Sou...