Sábado, 2 de Junho às 16:00 - Palácio Baldaya
Estrada de Benfica, 701 - Lisboa
"A deliciosa simplicidade da obra inicia-se com a primeira
frase do livro: “O autor não existe”. Assume-se assim o autor como um ser fora
da história ou de somenos importância. O livro inicia-se, assumindo-se de forma
desafiante como se não houvesse um narrador humano, e onde o próprio livro
ganha essa especialidade. É assim que a obra ganha vida e forma no palco da
imaginação e vive das emoções criadas pelo enredo.
E o enredo é fantástico, tanto pela remanescência das
memórias de um escritor que se revela, mesmo não existindo autor, mas também
por se afirmar um livro maduro e enredado nos saberes da vida, que fala por si num
espaço temporal de memória, no espaço que lhe couber, para acolher personagens,
com liberdade plena para serem moldados e caracterizados pelo leitor, deixando
à sua mais ímpia imaginação, as feições, gestos e anatomias, sem que isso
altere o rumo da história.
(…)
O livro veste o leitor com os seus atributos, e o seu conteúdo
torna-se aliciante na leitura. Cresce e ganha forma, como os seus personagens
na construção da história. E porque não há autor, é o livro que veste o corpo
de um ser que viveu uma trilogia social, entre dois regimes e o teatro de uma
guerra. Fragmentos rasga o
convencionalismo da escrita e fala como gente que vive o que escreve, semeando
as emoções reais daquilo que efectivamente é importante no enredo.
(…)
A guerra na Guiné, talvez a maior das fobias coloniais para
os soldados portugueses, contrasta no seu absurdo, com a absurda realidade da
tentativa de transformar em máquinas de guerra, gente simples e pacífica que
simplesmente tenta sobreviver num país decadente e inerte, despejando-os num
palco de um outro mundo, sem uma justificação coerente, onde tanto fere a razão
de tal facto como a metralha. E neste espaço se embriona a revolta interna das
consciências da simples gente, que se sente usada num conflito que não é seu e
que nele resgata as memórias da sua origem.
Um conflito armado que gera conflitos existenciais que
forçosamente mudariam o discurso literário e filosófico de toda uma sociedade e
mentalidade emergentes. Fala-nos assim este livro, numa escrita inovadora,
moderna e atraente, desmistificada e que motiva, mesmo ao leitor mais passivo,
o interesse pela leitura.
(…)
Uma obra extraordinariamente criativa pela forma como
estruturalmente é apresentada e que deliciosamente nos prende do início ao fim."
Raúl Ferrão, escritor
(Posfácio)