Nego-me à estética do Horrível
E à música de Wagner como se a cavalgada
Da Morte fosse enfeite a enquadrar o telejornal
Nauseabunda esteticização do Desastre
A celebrar o Espectáculo dos corpos e das casas
E as labaredas a lamber os impassíveis olhos
Não refeitos ainda da voragem do Pânico.
Nego-me ao microfone em riste
A invadir as bocas e colher a baba das palavras
E espremer o pormenor da Lágrima
E a dobra da Agonia como viver ou morrer fosse
Noção escorreita perante e iminência da Morte.
Nego-me a doutas opiniões e ao grande Debate
E ao arroto da Sabedoria ao serviço da Ganância
A desenhar manobras e as invisíveis rotas
Do Lucro e permanente encenação do Mesmo.
Nego-me ao leilão das alvas consciências
A pingar em fila da Banca e dos altos muros
Da Instituição. E nego-me aos caninos cibernantropos
A salivarem tweets e likes e rabinho electrónico
A dar a dar, a babarem-se sem ao menos saberem
Que nada representam – pálida imitação dos Donos.
Nego-me a esta impúdica exasperação dos lugares.
E da Dor, que sendo minha, é apenas Simulacro
Palavra que não (me) redime, nem me salva
E que, no entanto, teima - acre lucidez de cinza.
Manuel Veiga
1 comentário:
Compreendo que tenha chamado Richard Wagner que, com a sua "Cavalgada das Valquírias", deixa entrever um apocalipse...
e a negação de todo o espectáculo que subjaz a tudo o que seja
grande notícia, pequena notícia ou notícia nenhuma. Apenas porque
há sempre quem necessite dos imprescindíveis quinze minutos de fama,
lembrando aqui Andy Warhol...
"Acre lucidez de cinza", um título e desenvolvimento excelentes.
Grande abraço, Manuel Veiga.
Olinda
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