terça-feira, julho 31, 2018

A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI - Take 5


Regresso à paisagem de teu corpo, Flávia, como degredado que constrói a galera do seu desterro. Sísifo e queda de mim próprio, alcanço o cume do sangue e o declive da tua ausência. E despenho-me na ilusão de uma posse que nem sequer pressentes. Sou, qual sismógrafo vibrátil, os registos de tua alma e de tuas pegadas no corpo do Desejo, frémito que te percorre em inocência perversa, como flor a abrir-se, fora de tempo, em generosa dádiva da Natureza - e essa disponibilidade minha será, porventura, a minha única lucidez!

- “Não me ames demasiado"!- preveniste-me, Flávia. E eu não esqueci. Contudo, a assertividade da frase desespera-me na minha obsessão de ti e revela-te, em toda a inquietação que exprime e em todo esplendor que evoca: "não me ames demasiado"!... Sei agora Flávia que o teu olhar se ergue para o infinito e que teu corpo é apenas epiderme da dor, a solidão partilhada, a angústia (i)revelada.

E sei ainda que te alimentas da febril escrita de teu corpo como algumas fêmeas se alimentam de suas crias, paridas na ilusão da imortalidade. Cuidado, Flávia, cuidado, devoradora de almas! A insanidade ronda-te e, na voragem, pode muito bem acontecer seres tu a perder a alma. A menos que (mas serás tu capaz, Flávia, de fazer esse caminho?), a menos que tu saibas, anjo caído, descartar-te das tentações e das sendas do Diabo. Olhando-o nos olhos e nas células de teu cérebro…

Sei agora, porque, por vezes, te aproximas. Queres viver outras vidas, que não apenas a tua. Queres a minha mão percorrendo-te como se teu corpo fosse o corpo de Maria Adelaide e no teu regaço o abandono quente da minha mão entre as tuas. Erro fatal, o teu. Os momentos que dizemos sublimes são apenas cinza do fogo onde ardemos. E ambos, - quem tão néscio que duvide? – seremos  senhores de momentos irrepetíveis de uma cinza que arde: a minha mão subtil na tua anca, prenhe de promessas; a tensão do beijo no canto da tua boca; ou o teu corpo ondulante, à tua partida de mim, no primeiro encontro – lembrar-te-ás? Ou então a reincidência de teu corpo desnudado em meus beijos, tempos depois! A vida é isto, apenas, a sequência de nós próprios em cada momento que nos damos, no prazer de nos darmos. O resto é literatura, cinza, depósito de um vinho decantado...

Não te amarei demasiado, descansa. Quero que nada de mim te seja desconfortável e socialmente incómodo. Aqui, da minha ilha desértica, contemplo-te como um meteorito que arrebata na sua fugaz luminosidade, mas cujo destino é perder-se na escuridão cósmica. Solitário, claro, como todos os degredados (ou pretensos escritores, à procura de resposta à pergunta “como se escreve um romance?”) mas a solidão conheço-a desde sempre. Numa avidez carente? Não o nego, mas sei que há afecto em ti. Não me basta, mas conforta. É esta minha loucura mansa: nada exigir para tudo ter. Virás, se quiseres. Sabes onde a minha alma mora e o fervor de meu desejo.

Assim, Manuel Maria, descendo agora a Rua do Carmo, depois de, na Brasileira, se libertar do seu amigo Quim Remédios, com a promessa de, em breve, um novo encontro, desta vez, com tempo e devidamente aprazado, de jeito a poderem reunir o maior número possível de amigos dispersos, que ambos sabem disponíveis para uma almoçarada- Assim, pois, Manuel Maria, após o inesperado parêntesis das suas lucubrações e da ingente pergunta “como se escreve um romance” e descartada a proeza erótica do amigo, retomando, então, o fio de sua digressão íntima, num dos seus solilóquios que tanto o acometem no labor criativo da escrita ou, como agora, mera dispersão do espírito, qual subterrânea corrente de consciência a emergir à superfície e a alastrar em cálido apaziguamento do Desejo.

Assim, pois, Manuel Maria, em sua mansa atracção por Flávia, maturando o tempo da espera, bem se sabendo, caçador furtivo, que o prazer residirá mais na pulsão pela caça e na rendição da gazela, do que no disparo da seta, sendo, porém, bem ciente deste despropósito de nudez de alma, ele, tão contido de emoções e, nesta emergência, sem bem saber como lidar com este tropel que, qual rio desarvorado se desata e inunda, num ápice, toda a extensão da planície, bem se sabendo que, em cada enredo do pensamento, uma ideia puxa outra ideia, uma memória evoca outra memória, nunca se sabendo ao certo quais os caminhos e veredas, sendo que do destino nunca saberemos, nem seremos senhores.

Recuava, assim, agora Manuel Maria a um tempo alvoroçado de mil iniciações e de sonhos e de promessas, ele, filho de mãe solteira, criada de servir, em casa senhorial, em povoação ignorada, algures na margem esquerda do Douro Vinhateiro, e entregue a protecção da Santa Madre Igreja, que o criou e o educou, longe do berço e dos braços da mãe, por favores, não dos céus, que era filho de união pecaminosa, mas por determinação de poderes terrenos, pois manda quem pode, já se sabe, e as instituições religiosas existem também para lavar (ou esconder) as vergonhas das famílias gradas, a sua própria vida, portanto, quase personagem de um romance, fosse ela antecipada de cerca de 150 anos e o acaso ou a mão invisível do Destino tivessem colocado a sua romanesca existência no caminho da exaltante criatividade de Camilo (Castelo Branco) e do seu génio literário.  

Recuava, pois, Manuel Maria, a esse tempo de todas as ousadias e deslumbramentos, cerejas carnudas a abrirem-se em incautas bocas, numa pulsão adventícia – pois, bem se sabe, o alfa e o ómega é a “paisagem do corpo de Flávia” – ele que, em idade, era pouco mais que adolescente e, no entanto, tão adulto nos seus compromissos, militante activo da Juventude Operária Católica e dos movimentos católicos progressistas, provando as primeiras agruras do combate antifascista, nas vigílias da Capela do Rato contra a guerra colonial, peixinho vermelho em pia de água benta, em que um jovem padre-operário o iniciara e que mais tarde lhe permitiria abraçar com entusiasmo outras mais vastas formas de luta política e participação cívica.

Terminara, então, Manuel Maria o Curso de Desenho, na Escola de Artes e Ofícios, António Arroio, que lhe iria permitir esgravatar o sustento e a independência pessoal, numa a conhecida Agência de Publicidade, como maquetista, burilando a tinta-da-china e delicados traços, os esquissos que art directors e copywriters exprimiam as mensagens publicitárias.

Tudo nesse dia lhe evocava Flávia. E nessa cálida irrupção da memória e na metamorfose de rostos, em movimento de linhas distorcidas e surpreendentes como se foram a mão artística de Picasso, surgia na vibração do tempo, vinda lá do fundo, como carícia e bálsamo a solícita Dona Ludovina que, maternal, assumira a integração do jovem Manuel Maria nos meandros e corredores da Agência e, na generosidade da sua carne exuberante, de cinquentona apetecível, velara também pela sua educação sexual, certamente atraída pelo encanto do rapaz, cuja ingenuidade e timidez lhe conferiam, a seus olhos, especialíssimo desejo de protecção.

E tal o desvelo pelo jovem Manuel Maria que a excelsa senhora levou também muito a sério o robustecimento do seu espírito e, assim, o introduziu numa “selecta tertúlia”, (palavra de Dona Ludovina) depois de rasgados encómios ao seu (dele) talento não apenas como artista plástico, mas como poeta, cuja qualidade ela, Ludovina, estava apta a garantir.
(continua)

Manuel Veiga

sábado, julho 28, 2018

ARFAR DE MOSTOS...


Ergo-me desta poeira
E das farripas de um tempo solto.

O horizonte é branco. Reflexo de cal
Nos olhos trôpegos e emoções alardes
Prenúncios que mastigo no declínio
Dos passos – arfar de mostos
E de fermentos recidivos! 

Sou esta litania de sons e cores
E esta procissão pagã de gestos!

Manhãs orvalhadas a alimentar
O frémito e a colorir afectos –
Pomares que teimam
Generosos.

Amoras pregoeiras 
E incautas bocas!


Manuel Veiga





sexta-feira, julho 27, 2018

MARINHA - Fernando Pessoa


Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena…
Eu sofro sem pena a vida!

Doo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar…

E sobe até mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto
A maresia dos dias…


Fernando Pessoa
in “A Poesia da “Presença”
Adolfo Casais Monteiro – Morais Editores - 1972


terça-feira, julho 24, 2018

FLAMEJANTE A HORA...


Pedestal de harmónicas palavras
E, do alto, fulva hora se desnuda.

Nada perturba o movimento.
Linha tensa e suavíssima
Dança a escorrer
Como cascata
Sobre o dorso
Em arco.

Imperceptível murmúrio no percurso da sede.
Sôfregas são as íntimas torrentes
Tão audíveis que se alagam.
E se inauguram mosto
Dos sentidos.

Dulcíssima a escala dos tons
E o fervor dos olhares
E a voracidade
Das palavras
(Re)fazendo-se
Poema.


Manuel Veiga

segunda-feira, julho 23, 2018

A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI - Take 4


... Enfim, nada de cair em nostalgias, a vida tem cursos distintos e nenhum deles, nem Manuel Maria, nem o Quim Remédios, lamenta o rumo das suas vidas.

A passarem os sessenta e tais, como antes se assinalou, mantêm-se activos estes dois amigos improváveis e, se não abastados, são senhores de carreiras profissionais bem-sucedidas. Cultivam algumas decepções, que a vida nem sempre é mar de rosas e, com o tempo, aprenderam a moderar entusiasmos e verduras e, em cada passada, medir o terreno e o alcance dos caminhos. Ambos sabem que cada dia é mais um nó cego no fio da vida, cada vez mais curtos, o fio e a vida, realidade que encaram com bonomia, cuidando do corpo e da curiosidade do espírito.

São como que uma espécie de vanguarda de uma nova estirpe urbana, que rejeita o termo sexagenário pela simples razão de que não se deixa abater pelo passar dos anos, nem em verdade está disposta a deixar-se envelhecer, não por pânico ou recidiva em vãs ilusões de juventude, mas porque inteiramente realizada, se assume com naturalidade e savoir faire. Depois de anos de trabalho, criação dos filhos, preocupações, fracassos e sucessos, sabe essa nova casta social olhar a vida com desapego, colhendo “o bago da existência”, sem sofreguidão, nem urgências, descendo, porém, como nunca, ao tutano das coisas que merecem ser saboreadas.

Assim Manuel Maria, em discurso íntimo, no breve lanço de tempo, medido pelos passos de atravessar a Rua do Carmo, ao encontro ao seu amigo Quim Remédios, que havia anos não via, ora expectante de um abraço de lhe esmagar os ossos, prevenido, porém, por conhecimento de anos, de que as eufóricas manifestações de amizade do Quim Remédios são, por vezes, um tanto ou quanto incómodas, sobretudo, quando, do alto do seu metro e noventa e do seu temperamento abrasivo, assume atitudes de certa sobranceria, como se o mundo fosse uma coutada privada, que ele pudesse afeiçoar aos seus humores. Uma espécie majestade que o Quim Remédios cultiva, desde a juventude, que com a idade refinou, ao mesmo tempo que lhe aguçou o pendor de um dissimulado cinismo manso e amargo.

Oh pá, nem tu imaginas o que acaba de me acontecer...” - atirou o Remédios, mal desfeito o abraço e sem dar margem a que o amigo se recompusesse da sua “fuga” no tempo. “Claro que não imagino! Mas tenho a certeza que mete saias...” – retorquiu Manuel Maria, num sorriso irónico, com que escondia o discreto enfado pelo rumo anunciado da conversa.

O Quim Remédios nunca casou. Arrasta, no currículo, duas ou três relações mais ou menos (in)estáveis e mantém-se fiel ao lema de apenas “casar apenas com a profissão”; aliás com manifesto proveito, pois que, para além da clínica privada, exerce funções destacadas em Hospital público. Histórias de saias não lhe faltam, portanto, que ele sabe muito bem narrar, acentuando o picante e escondendo partenaires, que o Remédios é um cavalheiro e no nome de uma senhora nem ao de leve se toca.

Foi, pois, com Manuel Maria a tiracolo, que é como quem diz metendo o braço no braço contrafeito do amigo, subindo a rua, rumo â Brasileira, o Quim Remédios contou, como para si próprio falasse, com abundância de pormenores, a cena que acabara de lhe acontecer e que o seu resignado companheiro não teve outro remédio senão ouvir.

O Quim Remédios conhecera, por esses dias, em situação que não revelou, uma distinta senhora e aprazaram o encontro fatal. Nesse dia. À hora de almoço. Numa pensão de má fama, coito de marginais, imigrantes clandestinos e amores ocasionais.

- ”Estás a perder classe...” – ironizou Manuel Maria, alheando-se da conversa, cujo final, de tantas vezes repetido, deixava de ser novidade – então é isso lá local para levar uma senhora?!.“ - “Mas que queres, pá! A tipa desejava que a fizesse sentir galdéria ; tive que escolher o cenário adequado” - gargalhou o Quim Remédios perante a sua própria graçola. E Manuel Maria, bem mais interessado na premência da pergunta como se escreve um romance? que nas proezas eróticas do amigo, retorquiu, num sorriso indolente e algo misterioso –“E não deixas de ter razão - a cenografia é o Espectáculo do Mundo! …”

Enfim, o Quim Remédios não se deu por achado com a desconchavada sentença filosófico-literária do amigo e Manuel Maria meteu, provisoriamente, entre parenteses, as suas lucubrações, disposto a escutar com bonomia mais uma façanha erótica do celebrado Remédios, que f…ia e respirava saúde. E, assim, os dois, prosseguindo, Rua do Carmo acima, rumo à Brasileira, por entre estrondosas gargalhadas …
                                                                                           
Em síntese, no dizer sábio e pitoresco do Quim Remédios, a senhora guinchava e rugia, no tálamo do amor, como uma leoa possessa de cio. “Melhor,- esclarecia empolgado - a dama troava e gemia, em diversos registos sinfónicos, como se as carícias fossem trombetas celestiais em acordes divinos”...

Eis senão quando, no auge da batalha amorosa, surdos pelo ardor e pelos libidinosos sons da dama, a porta do quarto rebenta de estrondo, qual apocalipse vindo do fundo do corredor... Com uma insistência inaudita, as pancadas na porta multiplicavam-se! O Quim murchou na função! “Que é que um homem pode fazer?” – Apavorou-se por momentos o Quim Remédios - “E que pensar numa cena assim, não me dizes? O pior, claro! Uma rusga da polícia? O marido ciumento? Um assalto?”,,,

O que vale é que o Quim não é de ficar em embaraços. De respiração suspensa, preparado para tudo, “embrulhado no lençol como túnica de senador romano, em pose solene”, - o Quim dixit – “levanta-se, deixando a dama, ainda mal refeita das celestiais trombetas, estendida sobre a cama, exposta, como virgem sacrificial”...

A espera exasperava! Do lado de fora, uma chave na fechadura e, de supetão, surge um jovem negro, “belo como uma escultura de bronze, saída das mãos de Rodin” – esclarece o Quim Remédios.

Nesta fase da descrição, a mente “perversa” do escritor Manuel Maria, em angústias intelectuais de saber como se escreve um romance, formigava cenas inarráveis, em que o negro seria consumado partenaire, mas o Quim Remédios encarregou.se de lhe abater as fantasias, tomando fio da narrativa e apressando o fim.

- “Patrão, estão aqui a fazer muito barulho” – balbuciou timidamente o negro perante o olhar dominador do Quim, do alto do seu metro e noventa – “com esta barulheira toda –  esclarece o negro - tem que pagar o dobro pelo quarto...

Num gesto aristocrático, o Quim abriu a carteira e estendeu-lhe uma nota de cinquenta.- “Há momentos, em que um homem não se pode cortar nas despesas!...” – remata, filosófico, o amigo Quim Remédios...

Chegavam à Brasileira. Na praça do Chiado, com a música da “Carvalhesa” em fundo, um grupo aguerrido, desfraldando rubras bandeiras, protestava contra a “tróica” e o corte dos salários.

Manuel Veiga


sexta-feira, julho 20, 2018

Meu Camarada Moço - Alberto de Serpa




"Meu Camarada moço,

Lidos os teus poemas,
Dizer-te que não temas
Dar-lhes fogo, a morte, o esquecimento,

Se queres a Poesia, vai para ela
Puro, desnudo, de ímpeto violento,
Como para a mulher
Em que parou teu sonho, — se és o seu.
Vai, como ela te quer.

Mas se outra chama inflama o teu amor,
Se outro sonho tão belo te rendeu,
Tem a coragem nobre de depor
Os versos que não são teu instrumento.
Toma outras armas mais condizentes.

Não, a Poesia não a violentes!
Deixa os versos ao vento...”


Alberto de Serpa
12 Dez 1906 / 8 Out 1992

quarta-feira, julho 18, 2018

Assalto da Pide à SEARA NOVA - José Manuel Tengarrinha


JOSÉ MANUEL TENGARRINHA
12 Abril 1932 – 29 Junho 2018


"Durante o Estado Novo o aparelho repressivo policial raramente se fez sentir directa e violentamente sobre a Seara Nova. Os seus colaboradores eram notoriamente contra o regime, colaboravam activamente nas campanhas políticas anti-salazaristas, por vezes eram mesmo candidatos nas listas oposicionistas, frequentemente eram presos e sofriam duras perseguições pessoais, mas o grupo, como tal, não era sistematicamente atingido.

Tal se devia ao facto de, desde a sua origem, a Seara Nova, como agrupamento, ter sido constituída por personalidades de alto nível intelectual e incontestada estatura moral e cívica, que deram contributos assinaláveis para a solução dos graves problemas que o País atravessou desde a década de 1920.

A sua participação em governos da I República e as suas propostas sectoriais e globais sobre a realidade portuguesa eram reconhecidamente muito válidas, situando-se num plano superior ao dos duros confrontos partidários que tornavam dificilmente governável este país. É bem explícito o que, a esse respeito, declara no editorial do número 1, em 15 de Outubro de 1921:

"A SEARA NOVA representa o esforço de alguns intelectuais, alheados dos partidos políticos, mas não da vida política, para que se erga, acima do miserável circo onde se debatem os interesses inconfessáveis das clientelas e das oligarquias plutocráticas, uma atmosfera mais pura em que se faça ouvir o protesto das mais altivas consciências e em que se formulem e imponham, por uma propaganda larga e profunda, as reformas necessárias à vida nacional".

O grande grito de alarme dá-se no número 12, de 15 de Abril de 1922, com o editorial intitulado "Programa mínimo de salvação pública", um dos mais esclarecidos e enérgicos protestos que então se publicaram.

Com a instauração do Estado Novo começa uma nova fase. Agora, o aparelho repressivo incide especialmente sobre os conteúdos da revista. Era preciso evitar o lápis azul da censura. Um dos artifícios foi a publicação de uma secção, na última página, intitulada "Factos e documentos", onde eram inseridos excertos de textos publicados na imprensa ou em livros que contivessem alusões críticas, mais ou menos sub-reptícias, ao Estado ditatorial. Aí, os mais visados foram os discursos do então presidente da República almirante Américo Tomás e a obra de Camões, nomeadamente Os Lusíadas. Ao passo que não sofriam censura os textos de um tal Vladimir Ilitch (a que não era junto "Lenine") ou as considerações sobre a evolução do capitalismo de um não menos desconhecido Carlos Marques (Karl Marx, este sim conhecido dos censores).

Mas os artifícios, por mais engenhosos, não impediam que, sobretudo desde a instituição do S.N.I. (Fevereiro de 1944) a censura redobrasse a sua atenção sobre os textos da Seara Nova e, já na década de 1950, fizesse cortes tão extensos que obrigavam os redactores a improvisar rapidamente textos para garantir a saída da revista.( ...)

José Manuel Tengarrinha

Ver em SEARA NOVA o artigo completo


domingo, julho 15, 2018

CALIGRAFIA(S) MÍNIMA(S)


Abre-se o céu. Agora o azul é apenas
O sopro da cor. E o movimento lasso.
E o turbilhão aceso.

Os dedos são extensão do limite.
E os olhos a tela que se desprende
E dança – (in)decorosa! –
Amálgama de tons
E de água…

Asas de poeta
E bebedeira dos sentidos
E o esboço lascado dos corpos
Em cântico demiúrgico.

Ritmo e o fulgor da cor
Assim colhido(s)…

Caligrafias mínimas!


Manuel Veiga

quinta-feira, julho 12, 2018

Take 3 - A Carta Que Nunca Te Escreverei


Como se escreve um romance? Sabemos “como se escreve uma tese”, e até “como se escreve uma crónica” não faltam por aí eruditos que as pratiquem e as ensinem, teses e crónicas para todos os gostos e modelos pronto-a-vestir, aptos a servirem de invólucro, nem faltam causas e mestres que as soprem, nem academias que as emplumem e as empalhem, coisas, antes de nascidas, já consagradas e ainda mal refeitas do suor ou placenta logo descartadas – as teses! E as crónicas…

E um romance? Como se escreve um romance? A pergunta é retórica, pois que romance não tem cânone, como a vida não tem métrica, nem os caminhos se desbravam na orla dos desertos. Insiste, porém, o autor, como se Manuel Maria fosse, em interrogar-se “como se escreve um romance?”, em desespero de causa, como um condenado se entrega às galés e, para aliviar o destino, investe toda a energia no vigor dos braços e no movimento dos remos e, nessa tensão se consome, alargando o olhar para lá do horizonte, não sabendo bem quando a sujeição terá fim. Mas almejando sempre a persistência de novos rumos, pois, bem se sabe, que a viagem se faz com o bater dos remos e quando o Homem a ergue, “a espada faz-se!...” e também o remo, quando erguido, sendo porém que não basta ter talento, mas sobretudo dar-se, cada um, ao esforço e ao trabalho de, por acções, palavras e obras o demonstrar, ainda que ilusória seja sempre a redenção das grilhetas.

Assim, Manuel Maria, subindo o Chiado…

Eram 15 horas. Manuel Maria ouve o seu nome soltado num berro feroz. Era o Quim “Remédios”, do alto do seu metro e noventa, pronto a “esmagar-lhe os ossos”, num abraço. Há que anos que não se viam!... E, no entanto, tempos houve em que eram unha com carne. Foi, pois, com manifesto prazer, que Manuel Maria atravessou a rua ao encontro do amigo, enquanto, em fuga para os descuidados dias da “Avenida de Roma”, onde se conheceram, o Quim “Remédios”, mais velho, a frequentar os últimos anos de Medicina e ele, Manuel Maria, residente supernumerário em lar de estudantes pobres, propriedade da congregação religiosa, que o recolhera na infância e o educara, então Manuel Maria a iniciar os primeiros passos do Curso de Arquitectura, depois de se desembaraçar, com brilho, do curso de Desenho e Pintura na Escola de Artes e Ofícios António Arroio.

Enfim, um tanto insólita aquela amizade. O Quim Remédios, filho da burguesia urbana, com enorme cabeleira a enfeitar-lhe a cabeça e avantajar ainda mais a sua corpulência, deslocava-se num deslumbrante MG descapotável, sempre rodeado de um cortejo garrido de raparigas e ele, Manuel Maria, de cabelo à escovinha, como sempre usara, na infância e adolescência, no “internato” e, ainda que sem aleijão físico ou deficit de apresentação, a sua figura débil nada devia à natureza, em termos de vigor físico ou porte atlético, com que pudesse ombrear com seu amigo, nem, muito menos, a reduzida bolsa de estudos, que, por mérito e empenhos vários, recebia da Fundação Calouste Gulbenkian lhe permitia as façanhas lendárias, no campo feminino, onde o Quim Remédios se orgulhava de fazer verdadeiros desbastes.

Era, pois, no normal entendimento das coisas, a amizade com o Quim Remédios uma amizade improvável… Unia-os, é verdade, o gosto pelo cinema, de que não perdiam pitada, perdendo-se, ambos, nas salas de cinema, em sessões permanentes, ou nos ciclos de cinema do Cineclube, que assiduamente frequentavam. Mas, porventura, mais que as afinidades culturais e o itinerário dos dias sem cuidados terá pesado, nesta amizade fora de previsibilidade, mais fundas razões para as quais livros e especialistas encontrarão eventualmente resposta, mas que, nesta narrativa à superfície dos dias, bastará lembrar que eram ambos amputados dos afectos da paternidade, o Quim Remédios, lisboeta das avenidas novas, porque desde os primeiros meses de vida, ficou órfão e mimado pelos avós que o criaram e Manuel Maria, oriundo de um lugarejo ignorado das Terras do Demo filho de mãe solteira, criada de servir, que nunca o pai tivera e que a caridade beneditina o acolhera e educara.

Deve esclarecer-se – e nesse picaresco pormenor Manuel Maria se detinha, com um sorriso travesso, ao encontro ao amigo - que “remédios” não é apelido de família do Quim. Trata-se de uma garbosa alcunha, que vem desde esses velhos tempos das avenidas novas. O Quim, então de estudante de medicina, como ficou dito, sempre que assediado, por algum elemento do grupo, para diagnóstico ou mezinha, tinha uma receita infalível. Fosse qual fosse a doença, real ou imaginária, fosse enxaqueca, ou insónia, torcicolo ou anemia, o Quim disparava sempre: -“ Oh pá, f…de! É remédio santo!...”. Daí o “Remédios”...

A verdade, porém, é que o Quim não era um teórico. Praticava a “receita” e respirava saúde...

(Continua)

Manuel Veiga



domingo, julho 08, 2018

CAPRICHOS DA NET...



CAROS AMIGOS/AMIGAS

Por capricho dos deuses da net, a última publicação foi apagada. Peço desculpa pelo incidente - a que sou alheio - especialmente aos amigos e amigas que haviam comentado.

Entretanto, por falta de disponibilidade minha em frequentar vossos blogues, os comentários neste blog estarão fechados até final do mês de AGOSTO.

Beijos e Abraços.

Manuel Veiga

quarta-feira, julho 04, 2018

POEMA EM ÂNGULO RECTO...


 O poema é ângulo exacto
Voragem perpendicular dos dias
Que se condensa num ponto
E explode poeira
De estrelas
Fugidias.

E regressa
Sem mácula. Poeira ainda…
E se devolve à precária condição
De Geometria.

E arde! – Coisa de nada…


Manuel Veiga


terça-feira, julho 03, 2018

"UM SANTINHO!,,,"

Mas este santinho que se gaba de ter feito várias privatizações não sabia qual era o fim dessas empresas ? Hipocrisia e cinismo!

Teixeira dos Santos: “Preocupa-me que se queira forçar a iberização da banca”

A Autoridade Bancária Europeia está a forçar uma subalternização da banca portuguesa face à espanhola? “Não acredito em conspirações, mas que as há, há”, responde o presidente do EuroBic.
ver FoiceBook

Para Um Novo Teorema da Fisica Moderna

  dizem expeditos cientistas que o leve bater das asas de uma borboleta à distância de milhares de quilómetros pode causar uma catás...